CIC

Sobrevivendo…

Escrito por Luisa Nucada

Em uma visita à Cidade Industrial de Curitiba (CIC), o bairro que concentra mais moradores com faturas de água em atraso, a Tribuna constatou que a questão não é mais de subsistência, mas de sobrevivência. As estratégias para “ir levando com a barriga” até as coisas melhorarem envolvem desde deixar a casa de aluguel e se apertar na casa de parentes, morando “de favor”; pedir ajuda financeira para membros da família; fazer ligações irregulares de energia, os populares “gatos”; e até filar uma “boia” na casa do vizinho.

 

Inadimplência na conta de água 

media-mensa-cortes-agua-em-curitiba
cic-tem-mais-contas-inadimplentes
total-de-contas-agua-ativas-em-curitiba

Fonte: Sanepar

 

Sem renda

Foto: Felipe Rosa
CIC é o bairro que concentra mais moradores com faturas de água em atraso. Foto: Felipe Rosa
“Até para comida está faltando. Nesta semana a gente não tinha nada. Se não fosse minha cunhada, que mandou uma cesta básica, não ia ter o que comer”

conta a esposa de Marcos, Vera Cristina de Oliveira, 33.

A situação já passou do ponto crítico para a família de Marcos César Alves dos Santos, de 46 anos, morador da Vila Sandra. Até três meses atrás ele fazia serviços de pedreiro, mas o desgaste físico causado pela profissão causou problemas de saúde incapacitantes. Com lesões sérias no joelho e na coluna, Marcos ficou sem fonte de renda. Ele mora com a mulher e o filho de 14 anos em uma casa no terreno de sua sogra. Com a idosa, moram também um de seus filhos e uma neta. Atualmente, há dois talões de luz e um de água em atraso. Dinheiro para pagar, não há. Enquanto tenta se aposentar por invalidez, Marcos pode contar somente com a ajuda de parentes.

Vera, a esposa de Marcos, não é alfabetizada, e trabalha em casa cuidando da mãe e dos afazeres domésticos. A família de seis pessoas têm como fonte de renda a pensão da idosa, que é viúva, e o salário do irmão de Vera. “Mas o pagamento dele vai quase todo pra cobrir a prestação do terreno, e quase não vence pagar tudo. Quando atrasa, no mês seguinte ele se arrebenta pra conseguir, porque vai virando uma bola de neve”, conta Marcos, que pelo menos não tem de arcar com aluguel.

Há cerca de dois meses, a luz da casa foi cortada. “Ficamos uma semana sem energia. Mesmo machucado, arranjei um serviço, fiz na marra, não tinha outro jeito. Aí consegui o dinheiro para pagar a conta e eles ligaram a luz de volta”, relata.

Futuro incerto

Foto: Felipe Rosa
Foto: Felipe Rosa
“Com os R$ 50 do Bolsa Família do maior mal dá pra comprar um pacote de fralda e uma caixa de leite pro pequeno. É R$ 200 de água, R$ 200 de luz, mais telefone e internet. Sobra uns R$ 200 para o supermercado, não dá nem pra fazer a compra do mês”

diz Fernanda.

Grávida de seis meses, Fernanda, 32, que preferiu não informar seu nome completo, não sabe como será quando chegar o terceiro filho. Em dezembro, ela foi demitida de um clube onde trabalhava no setor de limpeza, ainda no período de experiência, pouco antes de descobrir a gestação. Sem trabalhar desde então, faz malabarismos para suprir as necessidades básicas dos filhos de 2 e 6 anos. A única fonte de renda é o salário do marido.

As contas sempre estão atrasadas, e, felizmente, a família não chegou ao ponto de ter o fornecimento cortado. “A gente sempre paga atrasado, mas paga. Até agora temos conseguido pagar. Quando o bebê vier, não sabemos como vai ser.” O único alívio é não ter de arcar com aluguel, pois moram nos fundos da casa da tia de seu marido, na Vila Sandra, na CIC.

Vivendo de bicos

Foto: Felipe Rosa
Vivaldino vive de bico. Foto: Felipe Rosa
Uma esquina do bairro, formada pelo encontro das ruas Verônica Tribek Moro e Professor Mário José Zancanaro, na CIC, funciona como ponto para arranjar bicos. Lá, moradores desempregados se reúnem em frente a uma lanchonete e ficam conversando, fazendo contatos. Quando alguém precisa de um serviço de pedreiro, encanador ou eletricista, já sabe onde procurar a mão de obra.

“Este ano está sendo o mais crítico. Lá em casa, só minha mulher tem emprego fixo, como doméstica. É ela quem está segurando as broncas. Meus dois filhos também estão desempregados”

Vivaldino, 47 anos

Cedo pela manhã Vivaldino Antônio de Bairros, 47, já está a postos na esquina, com sua moto. No ano passado, ele fazia bicos como motoboy durante o dia e trabalhava para uma pizzaria durante a noite. Mas, há oito meses, praticamente não aparece nada. A família teve de se adaptar aos tempos difíceis, trocando, por exemplo, a carne pelo ovo.

Há dois meses, a Sanepar cortou a água da casa de Vivaldino por falta de pagamento. “Fiz uma correria pra levantar o dinheiro, porque sem água não dá pra ficar. Agora a conta já está atrasada de novo.” Ele diz que só poderá pensar em necessidades menos vitais, como roupas, lá para o fim do ano, quando espera que as coisas estejam melhores.

Jamir Alves, 52, é seu companheiro na espera por bicos. Desempregado, também depende da renda da esposa, que é decoradora. “Quem está levando nas costas é ela. O serviço que aparecer, não temos medo de fazer. Vontade de trabalhar não falta, o problema é que não está aparecendo nada”, lamenta ele, que antes era empregado de um ferro-velho, com carteira assinada.

“Fila-boia”

Foto: Felipe Rosa
Jamir: “Vontade de trabalhar não falta, o problema é que não está aparecendo nada” Foto: Felipe Rosa
“Onde a panela estiver apitando é onde eu vou bater na hora do almoço”

Relatou rindo o trabalhador Luiz Jorge

P restar atenção no barulho das panelas de pressão é a estratégia de Luiz Jorge Iungblod, 44, pra descolar uma refeição. É o jeito, confessa ele, de ir se virando, já que não tem dinheiro para sua única despesa, a alimentação. Trabalhador da construção civil desempregado, ele mora no terreno da mãe e não tem contas para pagar, pois é uma parente quem arca com água e luz.

Ir morar com familiares foi a solução encontrada por muita gente que residia na Vila Sandra. Na esquina dos bicos, comenta-se a grande quantidade de casas vazias, por alugar. É o resultado da debandada de pessoas que não estão podendo pagar por moradia.

CORTE DE ÁGUA E LUZ

Foto: Felipe Rosa
Foto: Felipe Rosa

Saiba como funciona o processo de suspensão por atraso de pagamento para não ficar sem o serviço:

  • 30 dias após a chegada da fatura, em caso de não pagamento, Copel manda aviso do débito na fatura seguinte.
  • Fornecimento de energia pode ser cortado 16 dias após a segunda fatura.
  • Titular da conta também é informado por e-mail e SMS (se ele tiver autorizado) e pode ser negativado nos sistemas de proteção ao crédito.
  • Após o corte, consumidor precisa quitar o débito antes de solicitar a religação.
  • Após pagar o débito e solicitar a religação, Copel tem até 24 horas para executá-la.
  • Parcelamentos e negociações são avaliados caso a caso.
  • Primeiro aviso de cobrança ocorre com 15 dias de vencimento da conta.
  • Com 31 dias de vencimento, a Sanepar entrega um segundo comunicado informando ao consumidor sobre a possível suspensão no abastecimento de água, que ocorrerá somente a partir do 48º dia de vencimento da conta.
  • É possível negociar o débito em qualquer Central de Relacionamento da Sanepar. É exigido um valor de entrada e o saldo pode ser parcelado.

 

Leia mais sobre CIC

Sobre o autor

Luisa Nucada

(41) 9683-9504