Centro Curitiba

Daqui não saio…

É comum encontrar vários moradores de rua dormindo nos gramados da Praça Rui Barbosa. Foto: Felipe Rosa
Escrito por Giselle Ulbrich

Até pouco tempo “invisíveis”, a quantidade de pessoas em situação de rua em Curitiba vem aumentando tão rápida e exponencialmente nos últimos meses que não tem mais como não vê-las. Grupos numerosos se espalharam por todos os cantos da capital, principalmente em praças centrais, como Tiradentes, Rui Barbosa, Carlos Gomes e Santos Andrade. É perceptível também a vontade da prefeitura em resolver o problema, ampliando o atendimento a este público, mas não é uma tarefa simples.

LEIA MAIS: Comerciantes reclamam da sujeira e insegurança causada por moradores de rua

Dona de um comércio na Praça Rui Barbosa, uma mulher, que não quis se identificar, coloca a culpa da proliferação dos moradores de rua no assistencialismo em excesso. “Às 7h tem uma igreja que vem trazer café da manhã. Lá pelas 11h30, outras três ou quatro igrejas vêm trazer almoço. O povo de rua já sabe e um já sai gritando pro outro ’chegou’. No fim da tarde e mais à noite já vêm outros grupos distribuírem janta e ceia. Esse povo faz quatro refeições por dia”, cita.

Ela comenta que eles também sempre ganham roupa. “Um deles veio aí me mostrar e se gabar que só usa roupa de marca. Quando a que ele está usando fica suja, joga na calçada e consegue outra novinha. Cobertor, eles jogam nos meios da praça porque sabem que à noite vão ganhar um novo. Não tem nem a dignidade de dobrar e guardar num canto. Você acha que eles vão querer sair da rua desse jeito? Trabalhar e pagar impostos como nós? De dia, são moradores de rua pobres coitados. À noite, são ladrões disfarçados de moradores de rua. Do começo do mês pra cá, já foram quatro bancas e mais quatro lojas arrombadas“, revolta-se a comerciante.

Consultório na Rua. Foto: Felipe Rosa
Consultório na Rua. Foto: Felipe Rosa

A lojista ressalta que a Fundação de Ação Social (FAS) e o Consultório de Rua estão sempre na Rui Barbosa, abordando este público. “Mas só no dia de frio intenso que as abordagens da FAS funcionaram. Nos outros dias, eles não querem ir porque tem que tomar banho, cortar o cabelo”, analisa.

O cabeleireiro João Luiz, que tem um salão na praça, concorda com a opinião da vizinha. Ele perdeu 50% dos clientes nos últimos tempos e um dos motivos é o aumento dos moradores de rua na praça, que espantam a freguesia. “A FAS chega e só conversa com eles. Não adianta nada”, reclama.

Sexo em plena luz do dia

Quem também está incomodada com a presença dos moradores de rua é uma idosa, que trabalha como voluntária no Hospital São Vicente, mas não quis se identificar. “Olha que cartão de visitas horroroso de Curitiba. Esses dias passei e tinha um casal fazendo sexo em plena luz do dia na grama. Outro dia tinha um homem se masturbando perto dos pontos de ônibus. Às vezes vou almoçar no Restaurante Popular e eles ficam pedindo dinheiro na fila pra almoçar. Só que usam o dinheiro para comprar drogas, pois almoço eles ganham na rua, das igrejas que vêm distribuir marmita. Sem contar que agora passaram a dormir nos pontos de ônibus para se abrigar da chuva ou sol forte. Ninguém pode ficar na fila direito que eles ainda reclamam. Amarram cães, sacolas, colchões, carrinhos de mercado nos pontos. E a gente não pode reclamar. Tem que desviar”, critica.

Por que aumentou tanto?

Uma funcionária pública, que não quer se identificar, apontou porque a capital paranaense é tão atraente para pessoas em situação de rua. “Curitiba tem o que outros locais não possuem: abrigos, muitas ONGs que ajudam, comida distribuída nas ruas, atendimento de saúde. No verão, eles migram para a praia. No inverno, voltam pra capital”, explica a mulher, frisando que uma parcela enorme deste público vem de fora de Curitiba.

A FAS sabe que pelo menos dois ônibus, vindos de Paranaguá, largam pessoas com frequência na Praça Tiradentes. “Às vezes não precisam ficar na rua. Precisam de um recâmbio para suas origens”, diz Elenice Mazoni, presidente da FAS. Agentes da FAS não podem obrigar ninguém a ser encaminhado. Se a pessoa quiser continuar na rua, a Constituição garante a ela o direito de ir e vir.

FAS alega que não pode obrigar ninguém a ir para um abrigo. Foto: Felipe Rosa
FAS alega que não pode obrigar ninguém a ir para um abrigo. Foto: Felipe Rosa

Grande desafio

Conforme a FAS, Curitiba tem aproximadamente 5 mil moradores de rua. Ano passado, os movimentos de rua falavam em 4 mil. Mas são apenas estimativas, em vista da dificuldade de se levantar estes dados. Elenice Malzoni, presidente da FAS, diz que para enfrentar a situação de rua, primeiro foi preciso reestruturar os serviços sociais oferecidos pelo órgão, nestes primeiros seis meses, e colocá-los dentro das políticas para o enfrentamento da situação de rua. Foi necessário montar uma diretoria própria e dar-lhe orçamento próprio, já que muitos contratos e convênios (alguns fundamentais para a logística básica da fundação) estavam mal remunerados, endividados ou vencidos.

Depois da reestruturação, o prefeito Rafael Greca começou a anunciar as melhorias que têm feito em prol das pessoas em situação de rua. Inaugurou um novo abrigo no Bairro Novo, com capacidade de 150 vagas, para dar “retaguarda” à região sul da cidade, onde também há muita gente em situação de rua. Outro grande avanço, afirma Elenice, será a criação da Casa São Bento, que funcionará no antigo Laboratório Municipal, no Parolin.

Ela explica que, entre as pessoas em situação de rua, não há só moradores de rua. Tem gente com problemas com álcool, drogas, transtornos psiquiátricos, traficantes, delinquentes, entre outros motivos que as fizeram ser afastadas de casa. A São Bento será uma casa de passagem, porém com toda uma aparelhagem de saúde para receber pessoas em surto, dar estabilização de forma emergencial ou urgente, para não sobrecarregar o trabalho nas UPAs. Depois de recuperada, a pessoa terá oportunidade de tentar reatar os laços familiares, ser reinserida no mercado de trabalho, entre outras necessidades deste público de rua.

LEIA TAMBÉM: Moradores de rua deixam usuários de ônibus com medo

Até o fim do ano, a FAS também tem intenção de reinaugurar o Restaurante Popular no Viaduto do Capanema, que foi inaugurado em 1993 e está fechado desde o ano 2000. Segundo a presidente, o espaço servirá como uma unidade descentralizada da FAS, com capacidade de oferecer outros serviços de reinserção social. A Casa da Acolhida e do Regresso, na Rodoferroviária, também foi reestruturada. Além do trabalho ostensivo, a fundação também pretende resgatar o trabalho preventivo realizado nos 45 Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) da cidade, para reforçar as unidades familiares em vulnerabilidade e evitar que as pessoas saiam de casa para a situação de rua.

Unindo forças

Foto: Felipe Rosa
Foto: Felipe Rosa

Há quem diga que o excesso de assistencialismo (doação de comida, roupas e cobertores, por exemplo) não ajuda em nada a tirar as pessoas da situação de rua. Já a FAS entende diferente a atitude solidária e chama de união de forças.

Assim surgiu o Expresso da Solidariedade, um ônibus adaptado para que as igrejas e outros grupos assistenciais usem para servir refeições às pessoas em situação de rua. “Nosso frio é constante, intenso, cruel. Curitiba é uma das cidades mais frias do País. Isso comove as pessoas. Não podemos proibi-las de ajudar. De certa forma é melhor que as pessoas se preocupem com isto. Por isso, reestruturamos os espaços. No Expresso da Solidariedade, as pessoas em situação de rua podem se alimentar com mais dignidade, ao invés de comer na calçada”, diz Elenice, da FAS.

Esta também é uma forma que a prefeitura vem encontrando de conhecer melhor este público, conseguir cadastrá-los, das igrejas conseguirem evangelizá-los, de criar um vínculo e estabelecer uma relação de confiança destas pessoas vulneráveis com os agentes da FAS, para que o resgate delas se torne mais fácil. Também é uma forma de tornar este tipo de ação mais “limpa”, pois não são todos os voluntários que recolhem os isopores, descartáveis e restos de comida. “Aí surgem ratos, baratas e implica numa ação da Secretaria do Meio Ambiente. Isso é muito diferente de ter uma ação higienista. Não podemos ter um trato higienista com esta população de rua”, mostra Elenice.

Ela diz que foi um grande passo conseguir organizar as ações solidárias e isto formou uma rede grande de voluntários. Já são pelo menos 400 cadastrados, que coordenam as suas ações conforme os horários e locais em que o ônibus adaptado estará nas ruas. “Não podemos proibir a ação voluntária, mas podemos organizá-la”, comenta a presidente da FAS.

Sobre o autor

Giselle Ulbrich

(41) 9683-9504