Como dói viver em Curitiba

Sábado de sol e calor, no domingo passado fomos vaguear na Baía de Paranaguá, com a promessa da moça do tempo de um dia ensolarado. Vento sul na popa, a frente fria se antecipou e nos deixou a ver navios. Sorte que o almoço na Caçarola do Joca, em Antonina, compensa qualquer falha da bela morena do tempo. Azar que subi a serra com um resfriado.

?Como dói viver em Curitiba?, dizia Temístocles Linhares(1905-1993). Curitibano, crítico literário do jornal O Estado de S. Paulo e autor, entre outros, da História crítica do romance brasileiro, o professor Temístocles deixou também para a posteridade o Diário de um crítico – Coleção Um Brasil Diferente, Imprensa Oficial -, suas memórias em seis volumes, 2.500 páginas impressas, correspondentes a 14 cadernos escritos à mão, com uma esferográfica preta, durante duas décadas e meia, de 1963 a 1982.

No dia 6 de fevereiro de 1982, aquele que foi um dos grandes amigos de Dalton Trevisan escreveu um tópico que parece ter sido escrito na segunda-feira passada – dia penumbrento, sem nenhuma réstia de sol.

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?Nunca vi um mês de fevereiro como este. Não é são só os homens que andam de cabeça virada. Mas também o tempo. Fevereiro frio, mais parecendo inverno que verão. Hoje, por exemplo, para sair à rua, quem não quiser apanhar uma gripe deve envergar roupa de lã. Tal o mau tempo que faz: brusco, sem sol e sem nenhuma perspectiva de melhora. Esse mau tempo faz supor estarmos num país nórdico europeu, onde dificilmente o sol aparece. Curitiba, que nunca primou por bom clima (será por causa da altitude?), está ficando muito civilizada, bem próxima do fog londrino. É uma contradição: civilizada sob esse aspecto negativo, para quem, como eu, gosta do sol, do calor procriador que nos faz pensar na vida e não na morte. Isso, de qualquer forma, explica ter havido aqui um movimento simbolista (produto nórdico por excelência), o mais importante do Brasil, porque o chamado decadentismo encontrou aqui o que lhe era essencial: o ambiente, o que hoje se chama de ecologia. A sua ecologia, portanto. Nesse sentido, Curitiba ainda continua a ser a cidade da neblina, da névoa, da alta capacidade evocativa, obrigando as pessoas a não sair de casa, aconchegadas ao fogo da lareira, coisa que não existe quase aqui, pois os arquitetos não pensaram neste detalhe, planejando construções mais de verão do que de inverno. Parecem ter sido partidários do frio e, então, dentro do raciocínio lógico, bem cartesiano, quanto mais frio as pessoas sentirem melhor. Para eles, chega a ser sinônimo de saúde. Erro crasso, uma vez que no frio é que se contraem as piores doenças, as de fundo respiratório, como a asma, a pneumonia aguda, a tuberculose, etc. Os resfriados são constantes e eles nos debilitam o organismo. Aqui é raro alguém chegar aos 80 anos, coisa hoje banal em outras cidades. É preciso ser de aço para agüentar esses dias penumbrentos, esse clima sem verão, sem sol, sem calor, sem vida. Ah! Como dói viver em Curitiba?.

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O homem e o tempo continuam de cabeça virada. Já nos acostumamos a ver um inverno como este. Ontem, terça-feira, o sol voltou a aparecer, a temperatura estava em elevação.

Aquele clima nórdico de segunda-feira, de 24 penumbrentas horas, foi como se o inverno nos tivesse deixado um recado, em tom de ameaça:

– Não esqueçam de mim! Eu ainda existo!