Festas de fim de ano ou carnaval são quando a maioria das pessoas lembra que tem um fígado. Mas os riscos de machucar o órgão também deveriam chamar atenção em outros momentos, como ao se automedicar.

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Uma das responsabilidades do fígado é metabolizar substâncias ingeridas, entre elas medicamentos, suplementos ou até mesmo chás. Metabolizar significa fazer com que essa substância possa ser utilizada pelo organismo e, depois, descartada via urina ou fezes.

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Existem categorias de remédios, no entanto, que são conhecidas pela sua hepatotoxicidade, ou pela capacidade de gerar danos ao fígado. A hepatite medicamentosa – a morte das células do fígado – é apenas uma das alterações que esses medicamentos podem causar. Outras são alteração no fluxo dos canais da bile e a insuficiência hepática, que impede o funcionamento completo do órgão.

Paracetamol

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O paracetamol é um exemplo clássico de um remédio que gera hepatotoxicidade em todos aqueles que o tomam em grandes quantidades.

“Existem remédios que vão fazer toxicidade para todo mundo, dependendo da quantidade que se toma. O paracetamol é um exemplo. Mas há aqueles remédios que, enquanto uma pessoa pode tomar sem problemas, outra pode ter essa reação no fígado. Um exemplo é o anti-inflamatório”, exemplifica Alcindo Pissaia, médico hepatologista do hospital Nossa Senhora das Graças e presidente da Associação Paranaense de Hepatologia.

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Se os danos ao fígado fossem causados apenas pela quantidade de medicação ingerida, pessoas que precisam tomar muitos remédios, como os idosos e doentes crônicos, teriam sempre lesões hepáticas – o que não é o caso.

A farmacêutica Sandra Farsky, professora titular da USP e vice-presidente da Associação Brasileira de Ciências Farmacêuticas, lembra que a interação entre os medicamentos deve ser um sinal de alerta para o fígado. Caso tome remédios sem a orientação de um médico, as substâncias podem interagir de forma não saudável.

“Algumas condições do organismo fazem com que esses remédios sejam biotransformados, para que sejam eliminados pelo corpo, e isso é normal. Mas podem gerar biotoxicidade. Por isso que é sempre importante observar os riscos e os benefícios do remédio, e o médico tem sempre que avaliar isso”, destaca.

Sintomas comuns

A maioria das alterações no fígado é assintomática ou apresenta sintomas muito comuns, como desconforto abdominal, náusea, vômito, febre e redução do apetite, o que geralmente prejudica o diagnóstico, segundo Jean Tafarel, médico hepatologista do hospital Marcelino Champagnat e professor adjunto de Gastroenterologia da PUCPR.

“Muitas pessoas tomam medicamentos em excesso e nem sabem que faz mal. Pode ser que, para elas, na genética delas, precisariam de uma dose maior ou tomar por mais tempo. Se tomar um comprimido, de vez em quando, isso gera uma alteração nas enzimas do fígado, sem sintomas. Mas quando precisar tomar por cinco dias, mais vezes ao dia, pode culminar nos sintomas”, detalha o especialista.

Por isso que, em geral, é mais fácil o médico pensar em outras condições mais comumente associadas a esses sintomas do que diagnosticar, rapidamente, uma hepatotoxicidade.

Alguns remédios, porém, podem gerar danos mais característicos, como icterícia (coloração amarelada da pele), coceira e urina e fezes de cores diferentes. Esses sinais estão mais associados, de acordo com Tafarel, a medicamentos que geram lesão no canal biliar.

Diagnóstico

Se pelos sintomas é mais difícil diagnosticar uma hepatite medicamentosa, exames laboratoriais ajudam os especialistas. Para tanto, os médicos solicitam a dosagem de enzimas do fígado, como a AST e ALT: a aspartato aminotransferase e a alanina aminotransferase, respectivamente.

Como essas são enzimas que estão presentes nas células do fígado, caso os testes as identifiquem na corrente sanguínea, é um sinal de que as células foram danificadas.

Quando a lesão ocorre no canalículo biliar, são as enzimas fosfatase alcalina, gama GT e a bilirrubina que apresentarão alteração. “Se o paciente tem uma lesão mista, que afeta tanto as células quanto a via biliar, os exames de dosagem de todas sobem”, explica Tafarel.

Embora esses testes indiquem alterações no fígado, de acordo com Alcindo Pissaia, médico hepatologista, eles não deixam claro quem pode ser o verdadeiro culpado.

“Fazer o diagnóstico de que o medicamento está alterando o fígado não é tão fácil porque não tem um exame específico que indique essa relação. Nós precisamos excluir outras causas, e só poderíamos ter certeza ao expor o paciente novamente ao remédio e ver a reação, mas isso não se faz porque há o risco de a segunda reação ser mais grave”, destaca Pissaia.

Em geral, a recomendação dos especialistas – depois de excluírem outras causas e suspeitarem do remédio – é para que a pessoa deixe de tomar aquele medicamento. “Em alguns, tirar o remédio já resolve. Para outros é preciso um tempo maior de acompanhamento”, segundo Tafarel.

A pessoa que também apresenta sintomas de confusão mental, além de uma perda da função do fígado, pode estar em maior gravidade, e a necessidade de transplante do fígado será avaliada.