Comidas sem sabor e perfumes sem aroma. É assim a vida de muitas pessoas que vivem com ageusia e anosmia, distúrbios da gustação e do olfato, respectivamente, que impedem totalmente a percepção desses estímulos. As condições são comuns quando temporárias — no caso de uma infecção viral como uma gripe, por exemplo –, mas podem ser, em casos raros, permanentes.

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Na maior parte dos casos, segundo Fabrizio Romano, presidente da Academia de Rinologia, os distúrbios de olfato acontecem quando alguma condição no nariz, como um inchaço, não permite a passagem de moléculas de odor na região dos nervos olfatórios. É o chamado “nariz entupido”.

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Outros casos são motivados por uma perda de sensibilidade nos nervos olfatórios: a molécula chega às regiões que deveriam percebê-la, mas o estímulo não é recebido. Esses casos não eram comuns até este ano, quando a Covid-19 trouxe um aumento expressivo do sintoma.

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Infecções virais, traumas (físicos ou químicos, pela inalação de substâncias tóxicas), desvio de septo e tumores neurológicos podem ser causas de anosmia permanente. Há, ainda, a hiposmia, que é a perda parcial do sentido. Ocorre de forma súbita ou gradativa.

“Elas podem ser irreversíveis dependendo da causa. Por isso que se recomenda procurar atendimento médico o mais rápido possível”, afirma Romano. O ideal, segundo ele, é que o paciente não permaneça com o sintoma sem acompanhamento por mais de três semanas. Quanto maior o tempo para o início do tratamento, menor a chance de regressão.

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A perda do olfato pode afetar também a percepção do paladar, já que o aroma dos alimentos tem influência no sabor. Há, porém, pessoas que não têm capacidade de sentir os sabores. “A ageusia de forma pura é bastante rara”, afirma o médico Henry Ugadin, membro da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia.

Além da ageusia, que é a perda completa, há outros dois distúrbios da gustação: hipogeusia (perda parcial) e a disgeusia (percepção deturpada dos sabores). As causas são parecidas com as dos distúrbios olfativos: infecções virais, doenças neurológicas e traumas na cavidade oral, como queimaduras, e tabagismo, além do uso de alguns medicamentos.

Os dois distúrbios não representam, diretamente, riscos para os pacientes. Porém, como ambos são importantes para a percepção do exterior, eles podem ter consequências para a saúde.

A perda do olfato, por exemplo, pode impedir que uma pessoa perceba um vazamento de gás ou uma comida estragada. Já a perda da gustação pode fazer com que o prazer da alimentação seja perdido, trazendo prejuízos nutricionais. “No curto prazo, são consequências pequenas, mas, com o tempo, isso pode ser bem prejudicial”, afirma Ugadin.

Ainda não há tratamento específico para a recuperação da gustação, segundo o otorrino. Para pacientes que perderam o olfato, há uma espécie de “fisioterapia” do sentido, afirma Romano.

“Nós usamos essências específicas que a pessoa vai cheirando por um período determinado do dia e mentalizando a lembrança de odor que tinha. Com isso, tentamos reconectar o estímulo com a área do cérebro que identificava aquele odor.” O treinamento, contudo, pode levar meses para ter efeito.

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Ação da covid-19 ainda é pouco conhecida

Mesmo depois de quase um ano de estudo sobre os efeitos do coronavírus no corpo, a medicina ainda não tem a resposta para como o olfato é prejudicado pela Covid-19. Cerca de dois terços dos pacientes acometidos pela doença apresentam o sintoma, de acordo com André Macedo, neurologista e pesquisador no Hospital das Clínicas e membro da ABN (Associação Brasileira de Neurologia).

“O provável é que o vírus vá no nervo e cause uma inflamação e uma lesão das células de sustentação do nervo olfatório. É pouco provável que seja uma destruição do nervo em si porque sabemos que neurônio é uma célula que não se recupera”, afirma o médico. Com isso, o nervo deixa de captar o estímulo ou o faz de forma inadequada.

Segundo Macedo, a maioria dos pacientes volta a sentir cheiros após cerca de um mês, mas há aqueles que têm o sintoma por mais tempo. Entre os pacientes que apresentam anosmia e ageusia como sintoma da Covid-19, 70% são do sexo feminino. Ainda não foi descoberto, de acordo com o neurologista, o motivo para isso.
Fabrizio Romano, presidente da Academia de Rinologia, afirma que mesmo pacientes que tiveram perda olfativa associada à Covid-19 devem investigar a fundo o sintoma. Isso porque a doença pode coincidir com outras causas até mais graves, como um tumor cerebral.