Vacinar uma população inteira, em meio a uma pandemia mundial, e certificar-se de que cada um receba as vacinas certas no momento certo tem se mostrado um desafio logístico. Erros tendem a surgir, especialmente quando a maioria das vacinas exige um esquema vacinal de duas doses.

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No Brasil, estima-se que 16,5 mil pessoas receberam, no momento da aplicação da segunda dose, uma vacina diferente da primeira. Os dados foram tabulados pela Folha de S. Paulo, e se referem aos vacinados nos primeiros meses da campanha, entre janeiro e fevereiro, que retornaram até o dia 8 de abril para a segunda dose.

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Na época, apenas dois imunizantes estavam disponíveis no país: a Coronavac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac/Instituto Butantan, e o imunizante do laboratório AstraZeneca e a Universidade de Oxford/Fiocruz. Na maioria dos casos registrados, as pessoas receberam primeiro a dose da vacina de Oxford/AstraZeneca e, na segunda aplicação, a Coronavac.

Riscos?

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Tanto os riscos de efeitos adversos quanto o cálculo de eficácia desse tipo de esquema vacinal ainda são desconhecidos, mas alguns estudos estão em andamento para trazer essas respostas. Um deles, que avaliou a troca das vacinas da Pfizer/BioNTech com a da AstraZeneca/Oxford, teve os dados preliminares de reatogenicidade (capacidade de a vacina gerar uma reação adversa) divulgados na revista científica Lancet no dia 12 de maio.

Das conclusões: os participantes que receberam as vacinas trocadas relataram mais efeitos colaterais, mas nenhum considerado grave ou que se prolongasse demais. O estudo, chamado de COM-COV (Comparing Covid-19 Vaccine Schedule Combinations), foi conduzido no Reino Unido e reuniu 830 participantes.

Destes, 463 foram aleatoriamente divididos em quatro grupos de análise, que receberam as doses em um intervalo de 28 dias. Os demais 367 participantes foram também randomizados em outros quatro grupos, mas o intervalo entre as doses era de 84 dias.

Os quatro grupos avaliavam diferentes esquemas vacinais, como:

  • Primeira dose: vacina da Pfizer/BioNTech; Segunda dose: vacina da Pfizer/BioNTech;
  • Primeira dose: vacina da Pfizer/BioNTech; Segunda dose: vacina da AstraZeneca/Oxford;
  • Primeira dose: vacina da AstraZeneca/Oxford; Segunda dose: vacina da AstraZeneca/Oxford;
  • Primeira dose: vacina da AstraZeneca/Oxford; Segunda dose: Pfizer/BioNTech.

Os grupos que avaliavam a mesma vacina na primeira e na segunda dose serviram de comparativo com os grupos que avaliaram os imunizantes trocados. “Nessa análise de segurança interina, encontramos um aumento na reatogenicidade após a dose de reforço reportada pelos participantes nos esquemas vacinais heterólogos [com vacinas diferentes] em comparação com os esquemas vacinais homólogos [mesmas vacinas], e isso veio acompanhado de um aumento no uso de paracetamol”, destacam os pesquisadores no artigo publicado.

Outra pesquisa, conduzida na Espanha, avaliou as mesmas vacinas, em um grupo de 600 pessoas. Neste caso, os participantes haviam recebido, na primeira dose, a vacina da AstraZeneca/Oxford e, na segunda aplicação, a Pfizer/BioNTech.

Os pesquisadores perceberam que a quantidade de anticorpos IgG era de 30 a 40 vezes maior nas pessoas que receberam a Pfizer/BioNTech como dose de reforço, do que em comparação a um grupo controle, que recebeu apenas uma dose da vacina da AstraZeneca/Oxford. A presença dos anticorpos neutralizantes também foi sete vezes maior entre os vacinados com a dose de reforço. Dos efeitos adversos, 1,7% dos participantes do estudo CombivacS relataram sintomas severos, mas limitados a dores de cabeça, dores musculares e mal-estar.

Tecnologias diferentes

O que mais chama atenção dos especialistas, de acordo com Raquel Stucchi, médica infectologista da Unicamp e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia, é com o fato de que as vacinas anticovídicas disponíveis hoje são de tecnologias diferentes, e isso poderia gerar uma reação exacerbada do corpo no caso de uma mistura na aplicação das doses.

“Isso é o que mais conta. Se eventualmente tivéssemos a intercambiabilidade de dois laboratórios que usam a mesma plataforma, por exemplo duas vacinas de vírus inativado, talvez fosse uma preocupação menor”, afirma.

No caso de uma pessoa que, ao receber a dose de outra vacina, desenvolva sintomas, vale o questionamento: seria uma reação normal da vacina ou uma reação exagerada do corpo? “Você poderia ter uma reação inflamatória exacerbada quando faz uma estimulação um pouco diferente”, comenta a especialista.

De acordo com João Viola, médico e pesquisador do Instituto Nacional do Câncer (INCA) e presidente do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia, as diferenças nas tecnologias de cada vacina não seriam tão preocupantes, visto que há exemplos semelhantes já usados na sociedade atualmente. “Contra a pólio temos duas vacinas, uma que é a Salk e a Sabin. A Salk é uma vacina de vírus inativado, e a Sabin usa o vírus atenuado. Está previsto no quadro de vacinação que a criança receba as duas, porque elas têm características diferentes”, explica.

Para Viola, o problema maior são efeitos adversos que possam surgir, embora não haveria tanto impacto na eficácia. “Dificilmente diminui a eficácia. Isso não tem sustentação na teoria da resposta imune. O que pode ocorrer é ter o efeito adverso de uma vacina ser incrementado pela outra. Temos os relatos de alguns efeitos adversos que podem ficar mais intensos, e mesmo efeitos que não estávamos vendo. Mas, para respondermos com certeza, é preciso fazer estudos que demonstrem isso. A Covid-19 ainda é muito recente, e as vacinas começaram a ser aplicadas agora”, explica.

Atenção à segunda dose

Quem estiver próximo de tomar a segunda dose da vacina contra a Covid-19 – seja ela qual for – a melhor indicação, no momento, é para que receba a mesma vacina da primeira aplicação. “Apesar de não ver problema em fazer [doses trocadas], a indicação é que faça a mesma vacina, até que tenhamos estudos mais consolidados, demonstrando que não há problema mesmo e que a eficácia possa ser mantida ou até melhorada”, reforça o médico pesquisador, João Viola.

Fique atento às explicações dos profissionais da saúde que estiverem aplicando e leve o comprovante da última dose para checar qual foi o imunizante que recebeu primeiro. Confirme ainda se o registro da vacina aplicada é o mesmo que consta no comprovante, pois este é um equívoco que também pode surgir, conforme explica Raquel Stucchi, médica infectologista.

“Essa semana surgiu um relato de uma dúvida a mais: talvez as vacinas aplicadas tenham sido as corretas, mas o registro tenha sido equivocado. Na hora da aplicação, as pessoas estão com o cartão da vacina, mas no momento de registrar, consta um laboratório diferente. A não ser que a pessoa veja na hora [que recebeu outra vacina], ainda existe essa possibilidade”, alerta.

Tomei trocada, e agora?

No caso de um erro na hora da aplicação, os vacinados deveriam receber acompanhamento médico, para verificar as respostas do organismo, de acordo com a médica infectologista Raquel Stucchi.

Ainda na opinião da especialista, para garantir a eficácia conhecida, o ideal seria completar o esquema com a segunda dose da vacina já aplicada – seja qual for. Por enquanto, não há orientações oficiais, do Ministério da Saúde, nesse sentido.