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Marieta Severo diz que com Bolsonaro estamos num terreno louco, medieval

Marieta Severo está de volta à televisão -mas não do jeito que esperava. A passagem da atriz pela Globo neste ano estava marcada para acontecer na faixa das nove, na nova novela “Um Lugar ao Sol”. Com a pandemia de coronavírus e os atrasos que ela gerou, no entanto, a trama ficou para o ano que vem.

Sem novas produções para lançar, a atriz ocupará uma outra faixa do canal, o “Vale a Pena Ver de Novo”, com “Laços de Família”, folhetim escrito por Manoel Carlos há 20 anos que não só retorna à TV aberta agora, como também faz sua estreia na plataforma de streaming Globoplay, no dia 14.

Para quem não lembra, “Laços de Família” trazia Severo no papel de uma tia obcecada pelo sobrinho. Alma Flora não perdia a oportunidade de dar palpite na vida do personagem vivido por Reynaldo Gianecchini, e a situação piora quando o jovem se apaixona por uma mulher duas décadas mais velha.

A caretice e a constante censura às escolhas do parente, no entanto, não eram suficientes para fazer dela uma vilã. Era uma antagonista, claro, mas com limites às suas ruindades. “A característica maior da Alma era a obsessão por aquele sobrinho. Ela tinha um amor absolutamente tóxico por ele”, diz a atriz.

Essa toxicidade do relacionamento entre tia e sobrinho, inclusive, chama a atenção de Severo para uma nova leitura que a novela pode ter agora, duas décadas depois de sua concepção. “É uma palavra que na época a gente nem usava. É muito bom ver essas coisas que entram no nosso vocabulário, porque são novas consciências que criamos.”

A descoberta dessa nova e atualizada interpretação para a personagem de “Laços de Família”, em pleno 2020, vai de encontro a um episódio recente que mexeu com o mundo da teledramaturgia. No ar em “Fina Estampa”, de 2011, Marco Pigossi disse no mês passado que o folhetim tinha de ser proibido de ser reprisado pela maneira equivocada como lidava com diversos assuntos.

Severo vê na situação e, agora, na reprise de uma novela em que ela própria atuou, uma oportunidade para entender o que era o Brasil nas épocas em que as respectivas tramas foram exibidas.

“Eu acho que é bom a gente ver como eram tratados alguns temas e como que, agora, não se suporta mais que eles sejam tratados de tal maneira. Eu acho que é útil ver essa trajetória de evolução em relação a vários temas, é importante ter consciência dela. São alertas”, afirma.

A teledramaturgia, por causa de sua importância na formação cultural do brasileiro, reflete quem nós somos enquanto sociedade, diz a atriz. “Essas tramas falam muito dos nossos momentos políticos e sociais”, ressalta.

E de política Severo não se esquiva. Ela define a situação atual do país como catastrófica, enfatizando que os ataques sofridos pela cultura por parte do governo federal têm motivação puramente ideológica, não são resultado de falta de verba ou de qualquer outra questão mais direta e impessoal.

“A nossa profissão [de artista] é crítica, é contestação. E eles [o governo] não aguentam contestação. Tudo isso que está acontecendo é orquestrado, não é por acaso. Estão acabando com o cinema, o teatro não tem apoio nenhum. É absolutamente catastrófico você pensar num governo que tem a sua cultura como inimiga -é ter o país como inimigo”, diz.

“Eu respeito profundamente quem não quer se posicionar, mas eu preciso dizer, falar. A gente tem que se colocar politicamente, cada vez mais. Estamos indo para um terreno de um conservadorismo absurdo, louco, medieval.”

Mas a cultura resiste, ela afirma, com bala na agulha para falar não só de televisão, mas também de cinema e teatro. Ela tem guardados trabalhos nos filmes “Duetto” e “Noites de Alface”, ainda sem data de lançamento, e espera pela reabertura do Teatro Poeira, no Rio, que administra ao lado de Andrea Beltrão.

“Nós teríamos uma programação especial de 15 anos em 2020, mas a gente teve que parar tudo por causa da pandemia. Mantivemos a equipe, fechamos o teatro e fomos todos para casa. Foi um baque muito grande, mas nós não pretendemos retomar enquanto não tivermos uma segurança absoluta”, explica.

Diante dessa indefinição sobre a retomada do setor teatral, é provável que Severo volte a encontrar sua sócia e colega do seriado “A Grande Família” em outro lugar, antes da volta do Poeira. Beltrão também está escalada para participar de “Um Lugar ao Sol”, que deve retomar sua produção em novembro e já se movimenta para tomar o bastão de “Amor de Mãe” no início de 2021.

“Estar com a minha comadre é sempre um dos maiores prazeres da minha vida. Nós somos de núcleos diferentes da novela, mas eu espero que a gente possa pelo menos se cruzar no camarim”, diz ela, antes de se atentar a um detalhe importante do novo normal nos bastidores da Globo -“se bem que agora ninguém vai ficar com ninguém no camarim”.

A emissora adotou um rigoroso protocolo de segurança para poder retomar as filmagens de suas tramas, mesmo que ainda não haja vacina para o novo coronavírus. Apesar do perigo ainda eminente, no entanto, Severo se sente segura para quando a hora de voltar ao set chegar.

“Existe um plano de começar a gravar ainda este ano, com todos os cuidados que a Globo está tomando. Aquilo é um bunker de guerra contra o vírus, então eu me sinto segura de voltar, não tenho problema, não. Eu sei que vou estar cercada de todos os cuidados.”

E, em meio a eles, ela se empolga com possíveis novos desafios. “Eu fico curiosíssima de ver como vai ser contracenar à distância, como é contracenar com uma parede de acrílico no meio. É tudo muito novo e eu fico instigada por essas novas propostas.”

Sem muitos detalhes revelados, “Um Lugar ao Sol”, escrita por Lícia Manzo, traz Severo no papel da avó-mãe, como ela define, da mocinha vivida por Andreia Horta. É uma mulher que teve uma vida difícil, mas que encara a vida de forma positiva, de acordo com a atriz. A trama gira em torno de irmãos gêmeos separados, um rico e outro pobre, interpretados por Cauã Reymond.

“Eu estou com saudades do estúdio. Então lá vamos nós [gravar], dentro dessa realidade que é muito ruim. O que eu, pessoalmente, posso fazer diante dessa pandemia é ajudar, prevenir, andar de máscara e, no meu trabalho, transformar isso em motivação para descobrir novos caminhos.”

LAÇOS DE FAMÍLIA

Quando: Reestreia nesta segunda (7), às 16h25, na Globo. Disponível na Globoplay a partir de 14/9

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