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Música: A aventura dos universos alheios

Há formas e formas de releituras, jeitos e abordagens das mais diferentes diante de um microfone no momento de se gravar as canções de um ídolo. A música brasileira passa por um processo de revisionismo necessário e saudável, mas que pode ser também um risco aos intérpretes que se aventurarem a entrar em mundos alheios.

Wanderléa cantou recentemente Sueli Costa. Sua entrega às estruturas menos convencionais é invejável e sua dedicação na preparação ficou explícita, mas o universo de Sueli parece ter sido um pouco demais para a escola de Wanderléa, de mergulhos emocionais menos intensos.

António Zambujo foi a Chico Buarque e o colocou na linguagem portuguesa com um grau maior de arrojo conceitual de arranjos do que fez sua conterrânea, Carminho, com Jobim. Não é um grande esforço fazer Chico soar ibérico, mas Zambujo acertou o tom de sua visita.

No início do ano, o compositor Romulo Fróes surpreendeu ao chegar com o disco Rei Vadio pelo Selo Sesc, interpretando a obra de Nelson Cavaquinho. De todas as retomadas, essa foi a mais corajosa, mais inventiva e ousada. Sua construção partiu de uma quase demolição, deixando das estruturas de Nelson apenas a viga central das estranhezas para ser usada em um outro edifício. A reconstrução mostrou um Nelson Cavaquinho sem preocupação com o acabamento, um artista nascido de suas limitações.

Mas, se houvesse um prêmio de melhor trabalho de releitura, ele iria para a reinvenção que a cantora Vanessa Moreno e o baixista Fi Maróstica fizeram para a obra de Gilberto Gil. Cores Vivas consegue pintar as várias tonalidades da música de Gil com apenas dois instrumentos: a voz de Vanessa e o baixo de Fi Maróstica. Ali está o verdadeiro sentido de uma releitura, o equilíbrio perfeito entre a criação e o respeito ao que já se está posto.

Carminho diz na entrevista uma frase curiosa: é preciso cuidado para se colocar música nova no mundo. Ela tem razão. Há uma superpopulação de obras esperando por um artista que a releia, que acenda luzes sobre as trevas.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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