Dívidas abocanham 15% da renda

Dinheiro é assunto que ainda gera constrangimento no brasileiro; endividamento, então, é palavra proibida para muita gente – ainda que boa parte dos consumidores esteja incluída nas estatísticas de devedores, que crescem a cada ano no País. Em média, o brasileiro compromete 15% de seu orçamento pagando dívidas, tais como financiamentos ou empréstimos, sendo que muitos acabam entrando para o rol dos inadimplentes quando o montante é maior e chega a comprometer até a subsistência familiar. Os motivos para isso, apontam especialistas, é a crescente oferta de produtos e serviços e, claro, a facilidade cada vez maior de ter dinheiro à mão – ainda que por um alto preço.

Alguns dados conseguem provar que estamos cada vez mais suscetíveis ao consumo atrelado aos meios de fazer-se cumprir o apelo. O economista Carlos Magno, do Conselho Regional de Economia do Paraná (Corecon/PR), compara o estoque de empréstimos concedidos pelo sistema financeiro (bancos e financiadores) entre dezembro de 2004 e junho deste ano: de lá para cá, os valores cresceram em 40%, passando de R$ 317,9 bilhões para R$ 447,2 bilhões. ?Esse é o resultado da combinação bombástica de excesso de oferta e crédito fácil, fazendo com que as pessoas se endividem. O mercado é cheio de iscas: assim como se tem uma grande facilidade de obter crédito, tem-se também altíssimas taxas de juros?, ressalva.

Muita gente, no entanto, parece não se dar conta do preço que vem embutido no dinheiro, um dos produtos mais caros hoje no mercado – ou então está fadado a arcar com seu pagamento e, para isso, entra em um verdadeiro círculo vicioso. ?O problema é que o sistema induz ao consumo e a necessidade de pagar os juros torna o cliente um eterno dependente vinculado aos bancos ou financeiras. A partir daí, a pessoa faz um empréstimo para pagar outro e são justamente essas opções as que mais oferecem risco?, alerta o economista.

É perceptível, portanto, que cabe apenas ao consumidor se cuidar, uma vez que são escassos os meios de restringir os apelos e seduções promovidos pelos vendedores do dinheiro dito ?fácil?. Se Carlos Magno tivesse de dar uma dica para quem está endividado hoje, diria que é preciso primeiramente saldar as dívidas que incluem os juros mais altos, entre elas, cheque especial, cartão de crédito e empréstimos, seja com bancos ou financeiras. ?Usar o limite do cheque implica em juros de 8% ao mês; se deixar de pagar o cartão de crédito no vencimento, os juros são de 11% ao mês, semelhante ao dos empréstimos. O crédito mais barato hoje é o consignado, direcionado a aposentados e pensionistas, porque o desconto é feito diretamente em folha de pagamento. Mas mesmo nesse tipo, as taxas de 2,9% ao mês são altas, uma vez que não há risco algum para quem empresta?, afirma.

No caso de dívidas no banco, ainda é possível negociar: ?Em vez de aceitar que o gerente aumente o seu limite, chame-o para quitar sua dívida. Se você deve no cheque especial, proponha parcelar a dívida na operação Crédito Direto ao Consumidor (CDC), que as taxas caem pela metade?, indica Magno. Exija também a retirada do limite direto em conta corrente – aquele que no extrato bancário aparece embutido no seu saldo real. ?De quebra você ainda vai economizar, porque eles cobram por esse serviço como se fosse um pacote de benefícios?, avalia.

Quitadas as dívidas, disciplina é a palavra-chave para não arrumar mais problemas. ?A partir daí, endividar-se mesmo só em níveis coerentes e que se consiga administrar, de preferência para adquirir bens de necessidade, evitando supérfluos?.

Laboratório da UFPR ajuda na gestão financeira

Foto: Ciciro Back/O Estado

Ana Paula: seu consumo deve ser seu sonho, não seu pesadelo.

A constatação de que as dívidas estavam comprometendo o desempenho profissional dos professores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) fez com que a pró-reitoria de recursos humanos da instituição se preocupasse em auxiliá-los quanto à administração financeira. Com palestras itinerantes pelos campi da Federal – que ensinavam a cada um detectar sua situação e a adequar os gastos à sua realidade -, o sucesso foi tamanho que a iniciativa se transformou no chamado Laboratório de Orçamento Familiar, que hoje atende não apenas à comunidade acadêmica, mas a qualquer pessoa que tenha interesse em se livrar das dívidas e aprender a administrar corretamente as finanças.

A coordenadora Ana Paula Mussi Cherobim conta que equacionar gastos de acordo com os ganhos é trabalho necessário para evitar as noites maldormidas por conta das dívidas – e essa é a primeira providência no atendimento. ?Existem indicações de quando você está no vermelho, no amarelo e no azul. O primeiro são situações de emergência, endividamento elevado e falta de dinheiro até para necessidades básicas; o segundo é quando o dinheiro está dando, mas não sobra para nada; e o terceiro é situação confortável – aquela em que todos nós gostaríamos de estar?, explica.

A partir daí, orienta-se como pagar as dívidas e aplicar os recursos para alcançar a estabilidade ou o lucro. ?Primeiro, gastar de acordo com suas posses e verificar se, junto com o que está comprando, você não está levando um monte de dívidas. Se trocar o carro, por exemplo, observe que junto com ele vêm as parcelas do financiamento, os acessórios, um seguro mais caro. É investimento no seu conforto e lazer, e não uma reserva, já que desvaloriza rapidamente?, afirma.

A consultoria também inclui orientação sobre quando é interessante contrair um empréstimo e quando é inviável. ?Se você ganha uma viagem, vale a pena se endividar para desfrutar com conforto; o mesmo vale para situação de doença na família ou para quando o retorno é maior que o custo. É o caso de pagar um curso que vai melhorar sua empregabilidade ou adquirir um equipamento de trabalho?. Compra de bens supérfluos ou ausência de renda garantida para arcar com prestações são situações em que a coordenadora aconselha nunca contrair dívidas. ?Afinal, seu consumo deve ser o seu sonho, e não o seu pesadelo?, resume.

O atendimento no laboratório é gratuito para pessoas físicas e tem de ser agendado previamente pelo e-mail anapaulamussi@ufpr.br .

Medidas simples ajudam a evitar superendividamento

Foto: Ciciro Back/O Estado

Cila: crédito consignado gera muitas reclamações no Procon.

O superendividamento – ou sobreendividamento – é a situação acarretada pelos devedores que assumem crédito na praça sem tomar os devidos cuidados e acabam por contrair dívidas que comprometem a renda pessoal e familiar. Logo, tais pessoas tendem a se tornar inadimplentes (como é o caso de cerca de 13% da população que está endividada no Brasil) e se tornam incapazes de saldar a dívida ou fazer novas compras.

Com base nesse fenômeno -que, apesar de recente, está em franca expansão -, o Procon de São Paulo resolveu criar o Núcleo de Tratamento do Superendividamento, que desenvolve ações junto aos consumidores de forma a auxiliá-los a sair dessa situação e ensiná-los a se prevenir. Outro objetivo é negociar junto aos financiadores a quitação das dívidas e alertá-los dos prejuízos que o sobreendividamento pode trazer, uma vez que fecha as portas do mercado a diversos consumidores.

A advogada do Procon de Curitiba, Cila dos Santos, afirma que a iniciativa é louvável e tem possibilidade de ser implantada no Paraná. ?Vamos pensar a proposta e analisar as possibilidade de fazer o mesmo aqui?, promete. Ela explica que o quadro de São Paulo reflete uma tendência nacional, e que muitas das reclamações registradas no Procon no Estado têm a ver com fatores que causam tais dívidas, pesadas demais para o bolso dos consumidores. ?O crédito consignado é um exemplo. Muitos aposentados comprometem quase 100% da renda dessa forma, atraídos pelo apelo emocional e pelas aparentes facilidades. Mas os juros não são citados?, observa. Além disso, o número elevado de parcelas deixa o salário com os credores por um longo tempo. ?Mais cedo ou mais tarde, a pessoa acaba se tornando inadimplente?.

Outro recorde de reclamações no Procon é a tentação do crédito. Sem solicitar, operadores oferecem o cartão de crédito, inclusive com limite, para ser usado após um simples desbloqueio. ?Na falta de um contrato assinado, o consumidor acaba sem informações suficientes para a contratação e é induzido a usar o dinheiro?, diz a advogada. No caso do cartão, a fatura muitas vezes chega sem que a pessoa tenha sequer habilitado o uso. ?A orientação é que procure o Procon, que notificará a operadora pelo envio?.

O órgão também pode ser solicitado quando a pessoa necessitar informações a respeito dos credores e da real necessidade em contrair empréstimos. Verificar se o nome do financiador está limpo também é importante para evitar prejuízos. ?Ainda tem muita gente que é enganada e, mesmo assim, não nos procura. É importante saber que várias reclamações contra o mesmo fornecedor resultam em notificação para que cesse com a prática de, por exemplo, levar as pessoas a tomarem empréstimos sem informação?, informa. Dessa forma, até mesmo a propaganda poderá ser obrigatoriamente alterada, caso seja comprovado que induz o consumidor ao equívoco em adquirir crédito.

Voltar ao topo