Esperança

Sonho de adolescentes obesos, cirurgia bariátrica esbarra em burocracia

Obesidade entre os jovens é preocupante. Cirurgias para adolescentes ainda são raras e caras. Foto: Deposit Photos

Muitas vezes associada apenas a uma escolha estética, a cirurgia bariátrica representa muito mais para quem realmente necessita dela. De acordo com o Atlas Mundial da Obesidade de 2025, 68% dos brasileiros tem excesso de peso (31% com obesidade). Quem recebe o diagnóstico – e sofre com condições clínicas causadas por esta doença – encara o procedimento com esperança por dias melhores, por mais qualidade de vida, por mais saúde mental.

Em 20 de maio deste ano, foi publicada no Diário Oficial da União uma nova resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), de nº 2.429/25, que atualiza algumas regras para a cirurgia bariátrica em adultos e adolescentes. Entre as novas permissões, por exemplo, está a redução do Índice de Massa Corporal (IMC) mínimo para 30 kg/m² em casos de doenças associadas como diabetes tipo 2 e cardiovascular grave, além da permissão da cirurgia para adolescentes a partir dos 14 anos em casos de obesidade grave.

A boa nova, entretanto, se revelou apenas uma alternativa de futuro para jovens que sofrem com os males da obesidade e não possuem condições financeiras para realizar o procedimento. Apesar de agora permitida a partir dos 14 anos, a cirurgia para adolescentes não está contemplada no rol da Agência Nacional de Saúde (ANS), ou seja, os planos de saúde não são obrigados a operar menores de idade.

O alto custo do procedimento acaba limitando o acesso a ele, restando como opção a fila do Sistema Único de Saúde (SUS). No Paraná, a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) informa que nos últimos anos houve o registro de dezenas de cirurgias realizadas pelo SUS a partir dos 15 anos de idade.

“A ANS precisa colocar no seu rol de liberação, mas isso normalmente demora muito. Essa é a luta atual das sociedades e associações de medicina”, explicou a médica Solange Bettini, mestre em cirurgia pela UFPR e ex-coordenadora do atendimento multidisciplinar ao obeso cirúrgico do Hospital das Clínicas. “A obesidade do adolescente deveria ser encarada como prioridade, pois só se tem 13, 14, 15 anos uma vez na vida. É uma fase linda e um momento muito difícil para ser obeso”, acrescentou.

Segundo ela, a atuação da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) tem sido determinante nesta batalha. “Eles têm atuado arduamente para isso. É uma sociedade reconhecida mundialmente. Precisamos mesmo é de vontade política para realizar essas mudanças, mas isso está cada dia mais difícil no nosso país”, criticou.

Abalos e cuidados psicológicos

Os traumas que a obesidade pode trazer à rotina dos adolescentes são muito grandes e a cirurgia é tida como uma opção decisiva para se evitar o desenvolvimento de transtornos. “As relações sociais são prejudicadas, pois há uma exclusão muito grande do jovem obeso. Isso eleva a índices de depressão, principalmente para a população feminina”, contou Solange.

A atuação da família é determinante no processo de aceitação da cirurgia, segundo o médico cirurgião especialista em cirurgia bariátrica e metabólica, Caetano Marchesini. “Tem que ter um compromisso muito importante da família, a aderência durante os primeiros anos, a reeducação alimentar. Não é algo que os pais podem dizer ao filho: ‘resolva que eu volto depois’. É uma causa que deve ser abraçada por toda a família para que esse jovem tenha um reencaminhamento na parte psicológica, de atividade física e hábitos em casa. Não adianta a família trazer um menino jovem desse, fazer a cirurgia e em casa continuar com hábitos de alimentação obesogênica”, diz.

E o apoio precisa ser irrestrito, desde as primeiras manifestações do jovem. A busca por mais informações tranquiliza os pais e também os futuros pacientes. “Os pais veem o sofrimento dos filhos, mas alguns não dão o apoio ou orientação adequados. A falta de informação se mostra um problema, pois o medo do procedimento – incentivado pelos pais – acaba por minar a confiança dos jovens para encarar a cirurgia. A questão é que a doença psicológica causada pela obesidade é muito maior que o risco cirúrgico”, explica Solange Bettini.

Como a cirurgia bariátrica é um procedimento que muda diversos hábitos de vida, os pacientes precisam passar por acompanhamento psicológico. A Sesa relata que todos os hospitais habilitados para a realização do procedimento cirúrgico devem realizar acompanhamento pós operatório por, pelo menos, 18 meses após a cirurgia, independentemente da idade do paciente.

Os médicos particulares também mantêm em seus times psicólogos treinados para o preparo dos pacientes. “A gente tem que preparar esse menino antes de fazer a cirurgia, não depois que fez. O problema da parte psicológica é um pouco mais complexo, porque você pode buscar na cirurgia uma expectativa que não existe. O jovem achar que vai fazer a cirurgia e vai ficar mais bonito, ele só vai ficar mais magro”, afirma Caetano Marchesini.

Em linhas gerais a avaliação psicológica para candidatos a cirurgia sendo adultos ou adolescentes seguem um padrão semelhante, com a realização da anamnese (entrevista clínica), testes com técnicas psicológicas, processo psicopedagógico da cirurgia, sessões em família e treinamento com técnicas de relaxamento para o procedimento.

“Nas sessões se pretende avaliar como se estabeleceu o quadro de obesidade, os métodos de emagrecimento tentados, avaliamos a capacidade cognitiva do paciente em compreender o processo os cuidados pós operatórios imediatos e tardios, o comprometimento familiar e habilitar o paciente a monitorar suas emoções e impulsos. O acompanhamento psicológico é recomendado antes, durante e depois da cirurgia”, explica o psicólogo Nelson Antônio Von Lasperg, que atua há 25 anos com pacientes pré-bariátricos.

Segundo o especialista, o que normalmente se experimenta em pacientes adolescentes após a cirurgia, além de uma melhora clinica considerável – com uma significativa perda de peso -, uma melhora de humor, autoestima e interação social. “O paciente passa a interagir melhor socialmente, consegue fazer atividade física e sente-se mais disposto de uma forma geral”, conclui.

Cirurgia bariátrica reduz drasticamente IMC do paciente. Foto: Deposit Photos

É recomendado?

Realizar em adolescentes uma operação que consiste em reduzir o estômago pode parecer algo passível de causar prejuízos ao desenvolvimento do corpo humano. A teoria, antes propagada, hoje é refutada por especialistas.
“Existia antigamente uma preocupação com relação ao crescimento desses jovens. Mas é o contrário. A obesidade retarda o crescimento. Esses jovens quando são operados melhoram a curva de crescimento deles. Logicamente, desde que sejam bem acompanhados, tomem suas vitaminas, façam atividades físicas. Tem que haver uma mudança. Não é só a cirurgia”, diz o médico Caetano Marchesini.

Segundo artigo publicado na Scandinavian Journal of Surgery (veja o estudo completo em um PDF no final do texto), os resultados de estudos que mostram a melhora dos pacientes com mais de 13 anos com doenças associadas à obesidade são animadores. “Diabetes, distúrbios lipídicos como colesterol alto, triglicerídeos. Os operados melhoraram em tudo. E ocorreu também a melhora nos hormônios na fase puberal tanto de meninos quanto de meninas. Há duas décadas havia receio, mas os estudos mostram que não há prejuízos”, explica Solange Bettini.

“Estamos falando de jovens muito doentes. Então são jovens que têm uma doença grave, crônica, que já vêm de tratamento de alguns anos com cardiopediatra, pediatra, endocrinopediatra, ortopedista pediátrico. Eles vêm de uma infância doente e entram na adolescência já muito doentes. Não é uma cirurgia que tem objetivo estético. Tem o objetivo de buscar a saúde. Principalmente desses jovens”, afirma Marchesini.

A publicitária Suellen Kais Negrello, de 25 anos, realizou a cirurgia bariátrica aos 16 anos, como uma alternativa emergencial para cuidar de um problema de saúde que estava se agravando rapidamente. A jovem relata que desde criança convivia com o sobrepeso, mas após uma bateria de exames a necessidade de medidas diferentes se fez urgente.

“Por eu ter sido muito gorda por muito tempo meu pâncreas estava sobrecarregado. Ele estava produzindo muita insulina. E aí eu engordava com a saliva e ele só estava fazendo isso porque eu estava obesa. Só que eu só estava tão obesa porque ele estava fazendo isso. Então acabou sendo um ciclo”, conta.

O médico que ela consultou à época recomendou a cirurgia como alternativa para evitar problemas ainda maiores. “Ele disse: olha, teu pâncreas tem que sofrer um trauma. E esse trauma só é feito com a bariátrica, então eu te recomendaria a cirurgia porque você vai virar diabética”.

Ela afirma que a pressão social também teve peso na sua decisão. “[Comentavam] ‘por que ela não tenta uma academia, uma dieta’. Mas ninguém sabe tudo o que foi feito antes para tomar essa decisão. É uma decisão muito difícil escolher fazer a bariátrica. Foi literalmente o último caso em que eu pensei fazer, foi depois de esgotar todas as tentativas”, relata.

Tempo médio para cirurgia pelo SUS no Paraná

Antes de entrar para o centro cirúrgico, é necessário fazer exames, avaliações e consultas prévias – o que demanda tempo. Quando o procedimento é realizado pelo SUS também existe uma fila de espera. De acordo com Caetano Marchesini, o tempo de espera no Paraná é um dos menores do país.

Uma vida nova

Suellen afirma que sempre contou com o apoio dos pais. “Minha família via que eu sofria muito. Minha mãe falou ‘tem que fazer, então é isso que a gente vai fazer’. Minha mãe e meu pai pensavam na saúde. Eu já pensava [também] na estética. Mas eles nem pestanejaram”.

A jovem enxerga a nova resolução, que permite o procedimento a partir dos 14 anos, de forma positiva. Para ela, a cirurgia proporcionou uma grande melhora na qualidade de vida, em diversos aspectos.

Antes e depois de Suellen. Foto: Arquivo Pessoal

“Hoje em dia eu tenho mais gosto por praticar atividade física. Me sinto muito mais segura para fazer as coisas. Tudo o que eu ia fazer, eu tinha medo das pessoas ficarem me olhando, me julgando. Na época que a gente era criança a gente sofria muito”.

Para jovens que se encontram na mesma situação que ela já passou, a publicitária deixa o conselho: “você tem que fazer o que é o melhor para você”. “Todo mundo quer dar pitaco na nossa vida, principalmente quando a gente é muito novo, menor de idade. Se tem um médico falando que vai ser bom fazer a bariátrica, então vai lá e faz. Não fica escutando o que os outros falam. Porque os outros não estão na tua pele”, diz.

Clique para ler o estudo do Scandinaviun Journal of Surgery

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