Quando o assunto é saúde mental no ambiente de trabalho, a equipe de Recursos Humanos tem duas alternativas: se tornar vilã ou uma grande heroína. Para Sandra Pierozan, psicóloga do trabalho e especialista em desenvolvimento de lideranças, o segredo para moldar a narrativa está na maneira que o setor vai enxergar o colaborador.
Conforme Sandra, é de extrema importância que o RH entenda que o papel dele não se resume a burocracia, como o fechamento da folha de pagamento. Acima de tudo, ele representa pessoas nas suas mais diversas complexidades.
“Algumas empresas ainda não dão abertura para esse RH humanizado e ela vai arcar com as consequências disso. Porque os resultados aparecem. Em 2024, o nível de afastamento por problemas de saúde mental aumentou drasticamente superando, inclusive, em 2020, na época do Covid”, explica.
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De acordo com a especialista, as empresas devem intensificar cada vez mais o conceito de uma liderança humana, aquela que conversa e entende as diferenças de cada colaborador. Estar atento às pessoas é o primeiro passo neste processo, o segundo, é criar ambientes seguros, destaca Sandra.
“Eu costumo dizer que um ambiente que tem segurança psicológica é um ambiente desafiador e não ameaçador. O desafio é necessário, pois ele nos ajuda a detectar no que a gente é bom”, explica.
A autopercepção é fundamental
A especialista conta que, recentemente, um paciente chegou ao consultório dela relatando que havia um problema com o gestor. Segundo ela, o rapaz teria dito que sempre foi uma pessoa ansiosa, mas que nunca havia duvidado de sua capacidade, até conhecer o atual chefe.
Para Sandra, este exemplo, tão presente na realidade de milhares de pessoas, demonstra que a cobrança, em muitos momentos, leva os colaboradores a se questionarem quem são. Porém, de acordo com ela, em muitos casos, a questão não é se ele é bom, ou não. Às vezes, é sobre o colaborador não estar no cargo correto para ele.
Neste ponto, Sandra destaca que a manutenção da saúde mental deve ser estimulada pelas empresas para que os próprios colaboradores consigam se responsabilizar por seus erros e acertos.
Muito se fala em saúde mental, porém pouco se discute o que de fato é estar mentalmente saudável. Para a psicóloga, achar que é não ter problemas é uma resposta simplista e fora da realidade. Conforme explica Sandra, uma pessoa com a saúde mental em dia é aquela que vai ter problemas, mas saberá lidar com cada um deles, de maneira equilibrada e transparente.
“Quando eu sou inteligente emocionalmente, eu entendo que o comportamento é seu, mas a raiva é minha. Eu entendo porque aquilo me afeta e por isso vou agir da forma mais coerente. possível. É importante identificar a saúde mental como essa capacidade de autorregulação”, destaca.
De acordo com a psicóloga, quando um colaborador adoece e apresenta sinais de cansaço físico e mental, é porque ele e a empresa negligenciaram o cuidado com seu bem-estar lá atrás.
“Quando eu faço contratação de executivos, eu pergunto: ‘Aonde você recarrega suas energias?’ Se a pessoa diz: ‘Não, eu sou ótima, eu trabalho full time’, para mim já não serve, porque essa pessoa não tem durabilidade. Ela vai chegar um momento que, humanamente, é impossível dar conta”, afirma.
Oferta de benefícios diversificados pode ajudar
Conforme explica Sandra, o pilar da saúde mental está ligado a cinco fatores: alimentação, atividade física, sono, como você se relaciona com os outros e como lida com o estresse. Diante disso, para a especialista, a empresa pode contribuir com o bem-estar dos seus colaboradores facilitando o acesso a estes benefícios.
Para cada realidade, há maneiras de colocar isso em prática, seja entendendo jornada de trabalho ou criando programas de feedback. Conforme a psicóloga, atualmente o RH tem um outro papel nas empresas e, por isso, ele precisa ter um posicionamento que ajude, principalmente, as pessoas mais técnicas e executivas a olharem para o impacto humano do negócio.
“Eu sempre digo: Se você cria uma estratégia que você não contabiliza o impacto humano das ações, isso não é uma estratégia, isso é só cálculo”, ressalta.
Reconheça locais que te adoecem
Uma mente saudável é capaz de identificar locais que nos adoecem, explica Sandra. Por isso, para ela, é importante que os colaboradores não deleguem totalmente a responsabilidade dos problemas a empresa ou ao gestor.
Conforme a psicóloga, os dias atuais permitem uma oferta muito maior de empregos que incluí, por exemplo, a chance de morar aqui e trabalhar para empresas do mundo todo. Portanto, para Sandra, hoje, as pessoas só estão reféns do seu atual cargo quando não sabem da sua própria capacidade, o seu valor no mercado, ou quando não estão buscando se atualizar e se preparar para o que elas querem.
Para isso é necessário coragem, assim quando o caso exige que haja uma denúncia para que o local doentio mude.
“Muita gente ainda no nosso país não tem coragem de denunciar casos de assédio moral, por exemplo. Em muitos momentos, nós, enquanto empresa, a gente precisa da denúncia para poder investigar e fazer uma tratativa correta. Quando a denúncia não vem, as pessoas também ficam de mãos atadas. Então, a gente precisa ter essa coragem de lutar pelos nossos direitos e fazer valer os nossos recursos e a Justiça”, destaca.
Apesar da complexidade do assunto, Sandra afirma que é otimista e acredita que, no futuro, as pessoas entendam cada vez mais a responsabilidade que elas e as empresas têm com a saúde mental. Para a psicóloga, aos poucos as pessoas estão entendendo que, ao bater o ponto e ir para casa, é necessário deletar o que aconteceu durante o dia e se desconectar.


