Atenciosa, a mãe de Franciane Wazen percebeu uma alteração no reflexo dos olhos da bebê durante uma troca de fraldas. Apoiada sobre a cama, a criança de um ano e meio refletia um brilho opaco e diferente. Ao levá-la ao pediatra no interior de São Paulo, veio a recomendação imediata de procurar um oftalmologista. A rápida percepção da mãe de Franciane foi fundamental para o diagnóstico precoce do retinoblastoma, um tipo de câncer ocular.
O retinoblastoma é o tipo mais comum de câncer ocular infantil. Ele surge quando as células da retina, responsáveis por captar a luz e formar as imagens que enxergamos, começam a se multiplicar de forma anormal. A gravidade está no fato de que essa região está diretamente ligada ao sistema nervoso central, o que facilita o avanço da doença.
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“O reflexo que temos é vermelho, por isso ficamos com os olhos vermelhos em fotos com flash. Quando um dos olhos não apresenta o mesmo reflexo, isso pode indicar um defeito nos meios transparentes, como uma catarata ou um tumor, como o retinoblastoma”, explica a oftalmopediatra Pérola Grupenmacher, do Eco Medical Center.
Segundo a médica, hoje esse teste já é feito nas maternidades por meio de um aparelho chamado oftalmoscópio. No entanto, o tumor pode não ser perceptível de imediato. De acordo com o Ministério da Saúde, o Brasil registra cerca de 400 casos de retinoblastoma por ano, com maior incidência até os cinco anos de idade. Por isso, o acompanhamento contínuo nos primeiros anos é fundamental.
Para a oftalmologista, Franciane é um exemplo de sucesso. “Quanto antes for feito o diagnóstico, melhor a sequência do tratamento. Quanto menor e mais localizado o tumor, melhor o prognóstico, tanto para o tratamento quanto para a sobrevida”, completa Pérola.
Cuidado de mãe
Com a suspeita levantada a partir do reflexo nos olhos, a família de Franciane foi encaminhada a um centro de referência no Rio de Janeiro, onde ela passou por todo o tratamento e pela cirurgia de remoção do globo ocular, uma das primeiras medidas adotadas até hoje junto com a quimioterapia.
Hoje, moradora de Curitiba, Franciane vive com o marido, seu grande apoiador durante o tratamento, e com os cinco filhos, enquanto aguarda a chegada do sexto. O histórico da doença e a lembrança das visitas frequentes ao Hospital de Clínicas de São Paulo não a impediram de começar sua própria família por medo de que as crianças tivessem a mesma doença. “Uma vida vale mais do que o risco de uma doença”, resume.
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Pela experiência que viveu, ela tem uma consciência mais aguçada sobre a saúde ocular dos filhos, levando todos já nos primeiros meses para realizar exames. Essa atenção fez com que ela descobrisse que um de seus filhos precisava usar óculos já aos dois anos, antes mesmo de ir para a escola. “Não percebíamos porque ele ainda não estava na fase de desenhar. Mas, pelos exames, constatamos que ele tinha muita dificuldade para enxergar de perto. Achei que ele não fosse usar os óculos por ser muito agitado, mas desde o dia em que colocou, nunca mais tirou”, conta.
Mesmo que as crianças ainda não falem, os problemas de visão podem existir. Pérola explica que os olhos e a visão são complementares, mas não iguais. “A criança nasce com a anatomia do olho formada, mas ainda sem a visão estimulada. No começo, há apenas percepção de claro e escuro, que vai amadurecendo até a nitidez dos detalhes. Esse amadurecimento acontece gradativamente até os sete anos, em média. Tudo é um aprendizado nessa fase”, explica.
A recomendação do uso de óculos costuma surgir na idade escolar, quando as crianças já manifestam dificuldades no aprendizado. Foi essa suspeita que levou Kerolin Sgaraboto a procurar um oftalmologista para o filho Pietro, aos sete anos.
“Ele tinha muita dificuldade de se concentrar nas aulas, não fazia as lições direito e tropeçava muito quando andava. Vivia machucado. Uma professora sugeriu investigar se ele tinha algum transtorno e percebeu que ele coçava muito os olhos. A pediatra pediu um exame de visão e descobrimos que ele precisava de óculos”, conta Kerolin.
A médica Pérola destaca que, em muitos casos, problemas oftalmológicos são confundidos com transtornos de atenção, como o Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). “Essas condições também precisam ser analisadas do ponto de vista da visão. Existem graus de refração que fazem com que a criança se distraia ou não consiga se concentrar”, afirma Pérola.
Se uma criança não enxerga o quadro na escola, por exemplo, ela tende a conversar com o colega ao lado. Já aquela que força a vista para ler, por causa de uma hipermetropia não diagnosticada, pode sentir cansaço e dor de cabeça, o que a leva a abandonar a leitura.

Pandemia silenciosa
Na cadeira do oftalmologista, o diagnóstico de Pietro foi certeiro: miopia. Hoje, com dez anos, ele passa por consultas anuais. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), até 2050, a miopia deve atingir metade da população mundial e já é considerada uma pandemia silenciosa.
Para a presidente da Associação Brasileira de Controle da Miopia e Ortoceratologia (ABRACMO), Tânia Schaefer, o aumento dos casos está diretamente ligado à mudança de hábitos. “Hoje, é comum ver crianças pequenas com celulares nas mãos. Isso virou rotina, e, enquanto isso, elas deixaram de brincar ao ar livre”, explica.
Brincar fora de casa é essencial porque a exposição à luz natural ajuda na produção de hormônios que controlam o crescimento dos olhos. A falta dessa exposição, somada ao uso excessivo de telas, causa miopia, hipermetropia, astigmatismo – os chamados distúrbios refracionais – e até fadiga ocular, a popular “vista cansada”.
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Com o aumento do tempo em frente às telas, os pais ganham em praticidade, mas os filhos perdem em saúde ocular. No entanto, a causa não é perdida. Em casos como esse, a prevenção pode fazer a diferença. A especialista Tânia explica a regra: quanto maior a tela, menos o dano. Tablets são melhores que celulares, computadores são melhores que tablets e televisões são melhores que computadores.
Já a oftalmopediatra Pérola completa: é essencial trabalhar a distância desses objetos e limitar o tempo de acesso aos equipamentos. Ambas as especialistas compartilham a mesma dica: nunca é cedo demais para ir ao médico. A melhor prevenção é ter a certeza de que está tudo bem.



