Violência contra crianças vêm de dentro de casa

O Sistema de Informação para a Infância e Adolescência (Sipia), da Secretaria de Estado da Criança e da Juventude (SECJ), registrou em 2007, 55.797 casos de violência infantil no Paraná. Em Curitiba, no mesmo período, foram 3.569 registros de maus-tratos dos pais sobre seus filhos. Até o final do primeiro semestre de 2008, esse número já era de 1.336 na capital, os dados são do Centro de Epidemiologia da Secretaria Municipal da Saúde de Curitiba.

De acordo com o Sipia, que recebe dados das infrações vindos de todos os Conselhos Tutelares do Paraná, as denúncias de violação da convivência familiar e comunitária lideram as ocorrências. São mais de 23 mil casos durante todo o ano passado. “Quando recebemos casos de violação desse direito, procuramos implantar programas de enfrentamento da violência até que a criança sinta-se novamente segura a voltar para a família, caso isso não ocorra, o agressor é destituído, e a criança encaminhada para centros de adoção”, explica o coordenador do Núcleo de Ações Protetivas da SECJ, Luciano Souza.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece cinco direitos às crianças e adolescentes: vida e saúde, liberdade, respeito e dignidade, convivência familiar e comunitária, educação, cultura, esporte e lazer e profissionalização e proteção no trabalho.

Também são registrados pela Sipia casos de violação do direito da liberdade, respeito e dignidade, com 14.098 ocorrências, educação, esporte e lazer (13.831), vida e saúde (3.585) e também, a violação do direito à profissionalização e proteção no trabalho, com 1.268 casos.

Aliocha Maurício
Maria Leolina Cunha: “Intenção de machucar a criança”.

A questão da violência infantil é um fator cultural, onde os agressores repetem o castigo corporal que receberam quando crianças. “O principal fator que transforma o pai ou a mãe em agressores está em seu próprio histórico. Muitas vezes a pessoa foi vítima de maus tratos quando criança, e acredita que o castigo corporal e violento é a maneira certa de corrigir atitudes erradas das crianças. É uma prática cultural que precisa ser mudada”, diz a coordenadora do Centro de Combate à Violência Infantil (Cecovi), Maria Leolina Cunha.

Um dos sintomas que preocupa os especialistas é a “Síndrome do Bode Expiatório”, quando um dos filhos sofre por todos. “A síndrome acontece quando uma das crianças é eleita pelo agressor como o ‘patinho feio’. Ela é sempre considerada pelo agressor como culpada pelas ações das outras crianças, e acaba apanhando mais por isso”, descreve Cunha.

Perfis

Estudos indicam que 70% das agressões são provenientes dos pais biológicos. “De 1994 até hoje, foram registrados pela Sipia em todo o Paraná, mais de 76 mil casos de agressões por parte das mães biológicas. As mães lideram os registros, mas os pais são mais violentos na agressão”, explica Souza.

Manchas roxas, hematomas, lacerações e ferimentos na pele são os sintomas das agressões físicas e maus-tratos. “A evolução da violência é gradual, antes de uma lesão séria ou até mesmo a morte, a criança é vítima de maus-tratos e agressões leves que, quando não denunciadas, tendem a aumentar chegando até causar a morte da criança”, descreve Cunha.

Crianças de gravidez indesejadas e deficientes físicas estão mais propensas às agressões. “A criança que est&a,acute; no grupo de risco normalmente tem muito medo dos pais, baixa auto-estima, falta constantemente na escola por causa das lesões, é tímida, fica sempre isolada e triste”, descreve a coordenadora.

A família agressora apresenta uma cumplicidade entre os cônjuges, hostilidade a abordagem de profissionais e cultuam rigidez exacerbados nos valores morais e educacionais. “Além desses sintomas, as famílias agressoras registram, também, casos de violência contra a mulher”, ressalta Cunha.

Ações de maus-tratos devem ser denunciadas

Arquivo
Desde cedo, denúncias de agressões devem ser realizadas.

Aqueles que presenciarem ações de maus-tratos às crianças e adolescentes podem realizar as denúncias diretamente nos Conselhos Tutelares ou anonimamente pelos telefones 156 para Curitiba, e 181 para todo o Paraná. As denúncias serão examinadas por equipes da Polícia Judiciária e Polícia Militar, em caso de flagrante.

“Através das denúncias procuramos trabalhar com o foco gerador da violência, e não simplesmente o agressor. É muito importante cuidarmos do problema na sua formação, pois quando o agressor cumpre sua pena, as chances dos maus-tratos acontecerem novamente são muito grandes. E, com isso, a criança volta a correr risco. Por isso é necessário esse trabalho na fonte do problema”, explica Luciano Souza.

Em todo o Paraná são 418 Conselhos Tutelares que já registraram desde 1999, mais de 322 mil denuncias de violações aos direitos das crianças. “O Paraná não é o estado que mais viola os direitos, mas sim o que mais registra e tem melhor uso do Sipia. Através dos Conselhos Tutelares, fazemos a defesa e as notificações das violações dos cinco direitos das crianças. É um trabalho exemplar que tentamos melhorar cada vez mais” disse Souza.

Punições

A pena para quem é pego quando denunciado no disque-denúncia é classificada de duas formas. Para maus-tratos, a pena é de detenção de dois meses a um ano ou o pagamento de multa. Já para o crime de tortura, a pena passa de dois a oito anos. “A tortura é maior por causar intencionalmente sofrimento e ser realizada com a intenção de machucar a criança”, explica Maria Leolina Cunha. (LC)