Violência contra as mulheres preocupa

Em dezembro do ano passado, Licério Figueiro acabou com seu casamento de 28 anos. Ele matou a mulher, Marina do Rocio Taborda, a facadas. Marina é mais uma das vítimas da violência intrafamiliar. Um levantamento informal feito nas páginas de O Estado durante o ano de 2007 encontrou mais nove casos de mulheres assassinadas pelos companheiros e, outros seis que poderiam ter tido o mesmo fim. Os dados são de Curitiba e região metropolitana. Fica difícil ter uma dimensão exata do problema porque a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) não tem um balanço dessas informações. Elas ficam fragmentadas entre as várias delegacias.

As dez mulheres assassinadas em 2007 pelos companheiros estão longe de mostrar a realidade do Estado. Outros crimes ocorreram como o que acabou com a vida de Gracielly Cardoso Batista, 21 anos, também morta a facadas pelo ex-marido, Osnei Klasen, em São Miguel do Iguaçu, em agosto do ano passado. Com uma consulta rápida na internet facilmente se levanta outros casos. Há outro que ocorreu este ano em Maringá. Elizabete Dias da Silva Pedroso, 35 anos, foi morta a facadas no centro da cidade. O marido Nílson Fernandes, 44 anos, como boa parte deles, estava inconformado com a separação.

As tragédias ocorrem uma após a outra e, mesmo assim, não existem dados. A delegada titular da Delegacia da Mulher de Curitiba, Darli Rafael, explica que a delegacia responde apenas por casos de ameaça e lesões corporais, por isto, não dispõe deste tipo de dados. Tentativas de homicídios e homicídios que têm o autor desconhecido ficam sob os cuidados da delegacia especializada. Mas quando se sabe quem é o assassino, o crime fica sob os cuidados dos distritos policiais responsáveis pela região em que o assassinato ocorreu. Desta forma, os dados ficam pulverizados.

Para a delegada, o levantamento destas informações seria primordial. Só com eles em mãos seria possível traçar uma política pública mais eficiente de combate a este tipo de violência. No entanto, a realidade poderia ser pior ainda. Darli acredita que o trabalho feito pela delegacia da mulher já vem contribuindo para diminuir o problema. As mulheres procuram o órgão e o agressor passa a responder criminalmente, o que acaba por evitar muitas tragédias.

Na delegacia, as mulheres que se sentem ameaçadas pelos companheiros também podem pedir medidas protetivas. O processo é encaminhado para o Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, criado há um ano. O marido pode ser obrigado a sair de casa ou a ficar longe da esposa. Desde o dia 1.º de janeiro até o dia 17, a delegacia já mandou para o juizado cem destes pedidos.

No entanto, para Lindalva Fernandes dos Santos, 33 anos, a Justiça foi lenta demais. Em meados de 2007 ela pediu a medida protetiva, mas acabou morrendo com um tiro na cabeça, dado pelo ex-marido, o policial militar aposentado, Roque Luís Fracaro, 58 anos, em novembro, antes mesmo que seu pedido tivesse sido julgado. A medida poderia ter sido a diferença entre a sua vida e a morte. O Estado entrou em contato com o juizado, que informou que só poderia falar sobre os trabalhos realizados amanhã. Segundo a delegada Darli, os três ingredientes que permeiam a maioria dos crimes são o ciúmes, as bebidas e as drogas. Além disto, sempre há um histórico de violência anterior antes de chegar efetivamente ao assassinato. 

Centro de referência criado com o objetivo de ajudar as vítimas

Foto: Chuniti Kawamura

Cléia Oliveira Cunha: ?Nestas relações, a mulher acaba sendo vista como objeto?.

Além da Delegacia da Mulher, o Centro de Referência em Atendimentos à Mulher em Situação de Violência, criado em 2006, também vem ajudando a diminuir o quadro de violência. No centro, as mulheres encontram atendimento jurídico, psicológico e social. Elas ficam conhecendo seus direitos e que medidas devem tomar para se proteger; elevam sua auto-estima, fator essencial para conseguir sair desta relação; e fazem cursos de capacitação para conseguir a independência financeira, quando necessário.

Desde março de 2006, o local já atendeu 733 mulheres. A violência se manifesta de diversas formas: física, moral, psicológica, sexual e patrimonial. A coordenadora do local, Terezinha Santos, também diz que o trabalho feito pela entidade acaba ajudando a evitar que a situação chegue ao assassinato. Com apoio, muitas mulheres acabam conseguindo parar a escalada da violência. Há também abrigos para aquelas que precisam sair de casa.

No entanto, sair desta situação não é fácil. Muitas chegam ao centro depois de agüentar por anos o sofrimento caladas. Elas acham que um dia as coisas vão melhorar, mas a violência só aumenta. Na delegacia da mulher, em 2007 foram feitos cerca de três mil registros, mas o número de mulheres que sofrem com o problema é bem maior. Terezinha diz que muitas ainda não procuram ajuda por medo ou vergonha. ?Mas o silêncio só protege o agressor. Quem tem que ter vergonha é ao agressor?, diz.

A promotora da Vara da Violência Doméstica Familiar Daniele Gonçalvez Thomé também acredita que, muitas vezes, as mulheres conseguem quebrar o ciclo de violência quando fazem a denúncia. Há homens que mudam o comportamento depois de acertar contas com a Justiça.

Para Terezinha, o machismo contribui em muito para o problema. Os homens não se vêem como agressores, para eles é uma situação natural. ?Se acham um ser superior?, comenta. Ela diz que o ambiente também influencia muito, crianças que crescem vendo a mãe apanhar acabam achando que a situação é natural. ?O padrão vai se repetindo?, diz.

A coordenadora da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia, Cléia Oliveira Cunha, diz que existem vários fatores de risco dentro das famílias que fazem com que o problema apareça, entre eles a baixa-auto-estima, pouca autonomia dos parceiros e o sentimento de posse exagerado um do outro. ?Nestas relações, a mulher acaba sendo vista como objeto?, comenta.

A bebida alcoólica também está presente na maioria dos casos, mas Tereza não acredita que ela seja o principal fator que leva um homem a bater na mulher, embora contribua. ?A culpa não é da bebida, se não ele bateria no colega no bar ou na mulher da vizinho. Mas não, ele bate na companheira?, fala. Ela diz ainda que os homens também precisariam de tratamento, porém isto só existe no Rio de Janeiro.

Mas não há só problemas. Terezinha consegue fazer uma análise positiva da situação. Diz que com a Lei Maria da Penha, os agressores estão indo parar na cadeia e que, há alguns anos os homens podiam até matar para defender a honra. O centro funciona de segunda a sexta-feira, das 8h30 até as 17h30. Informações pelo telefone (41) 3338-1832.

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