Vila Sabará invadida pelo tráfico

Enquanto a população está voltada para as cenas de violência no Rio de Janeiro, um projeto de favela carioca cresce nas imediações de Curitiba. É a Vila Sabará, comandada, segundo informações de moradores e da própria polícia, por três gangues: “dos Anjos”, “dos Arteiros”, e “do Tiriva”. As denúncias feitas à Tribuna dão conta de que os grupos estão envolvidos com o tráfico de drogas e roubos, sendo que nas casas da vila os marginais guardam armamentos de grosso calibre, como escopetas e até fuzis. Outro problema são assaltos contra ônibus, constantes na região. O dinheiro arrecadado com o crime é usado para o tráfico de drogas.

Aparentemente a Vila Sabará é um bairro da periferia da cidade como outro qualquer. Mas tem “dono” e os marginais fazem questão que a população saiba disso. Quando a reportagem da Tribuna esteve na vila, deparou com olhares estranhos e curiosos. Grupos de rapazes se aproximaram para tirar satisfações. Queriam saber o que estava sendo fotografado

e por quê. Isto explica o medo espalhado pelas gangues e até mesmo justifica a “lei do silêncio”, respeitada pelos moradores do local.

Sem medo

Os trabalhadores que residem na região alertam que os integrantes das gangues não têm medo nem mesmo da polícia e se vangloriam dizendo que “possuem armamentos bem melhores que os usados pelos policiais e não temem um confronto”. A vila é dividida em três partes, cada uma comandada por uma facção. Vista de frente, no Contorno Sul (BR-376), o lado esquerdo é território da “gangue dos Anjos”, famosa por ser citada em diversos assassinatos, principalmente os ocorridos nas proximidades de um bailão. No meio, como se a divisão fosse a letra “V”, é comandado pela “gangue dos Arteiros”. A região pega parte do início da vila e se alarga pelo Morro do Juramento, cenário de muitas mortes. Uma pequena parte do lado direito pertence à “gangue do Tiriva” e vai até o Vale do Passaúna.

Moradora na Vila Sabará há três anos, uma jovem de 22 anos, conta que a grande maioria dos crimes envolve as gangues “dos Anjos” e “dos Arteiros”. Eles são arqui-rivais e quando se encontram o resultado é a morte ou feridos. Segundo ela, na parte de baixo, próxima ao asfalto do Contorno Sul, é a área “dos Anjos”. Já na parte de cima, mais afastada, o território é comandado pelos “Arteiros”. A jovem frisou que pouco ouve falar da gangue “do Tiriva”. “Acho que este rapaz já morreu. Sobraram alguns dos seus seguidores, mas o número de integrantes das duas outras é bem maior. Nem se compara com a do Tiriva”, comentou. Ela lembrou que desde quando foi morar ali, o local é violento e a cada dia piora. “Alguns morrem, outros são presos, mas sempre tem tiroteio, assaltos e gente fumando maconha e crack”, salientou. Segundo a moça, durante o dia é possível ver pessoas usando drogas pelas ruas e becos da vila.

Sem coragem

A jovem contou que quando chega do trabalho se recolhe em casa e não tem coragem de sair. “No final da semana passada teve tiroteio, mas às vezes nem escuto, o barulho dos tiros é familiar”, conformou-se.

De acordo com os moradores, viaturas da Polícia Militar costumam passar pela vila de duas a três vezes por semana ou quando são solicitadas. “Esta última semana melhorou. Estou vendo bem mais”, comentou um rapaz. Já as viaturas da Polícia Civil, segundo o mesmo morador, não são vistas há muito tempo. A área pertence ao 11.º Distrito Policial (Cidade Industrial). “Droga a gente vê bastante, mas polícia é raro”, falou uma mulher.

Rumo da bala

“Durante o dia até dá para andar pela rua, mas depois das 21h30 é melhor ficar em casa. Às vezes o problema não é com a gente, mas a bala acaba mudando o rumo”, disse outra garota, que alimenta o sonho de um dia se mudar para um local mais tranqüilo. “Por enquanto tenho que ficar por aqui, mas é claro que gostaria de morar em outro bairro qualquer, onde não tivesse tanto bandido”.

Os moradores denunciam, ainda, que em algumas casas situadas em ruas como Nelson Rieke, Bom Mestre, Bom Pastor, Luís Estopisk, João Carlos Macedo Lopes, Adelina Bufara Nader, entre outras, o tráfico de drogas é freqüente. “Entra e sai gente a toda hora. Eles entram de um jeito e saem completamente atordoados”, relatou um morador que teme ver seus filhos envolvidos com drogas e com as gangues. “Esses meninos são terríveis”, disse, explicando que a maior parte dos integrantes das gangues tem entre 15 e 17 anos. “Mas tem maior também. Tudo vagabundo”, revolta-se o trabalhador. “Depois que ficar igual ao Rio de Janeiro não adianta mais polícia”, salientou.

Comércio teme os bandidos

As gangues também deixam os comerciantes apavorados. Eles assaltam, furtam e muitas vezes chegam e levam os produtos, na “mão grande”, como dizem as vítimas. “Eles levam o que está na frente. Fralda, xampu, sabonete, já levaram até protetor de seio”, comenta a funcionária de uma farmácia. A dona de um outro estabelecimento, que prefere não ser identificada, disse que não perde mais tempo em registrar ocorrências na delegacia. “Para quê? Ninguém resolve nada e ainda falam que têm crimes piores para combater. Perder tempo para ir na delegacia e não ver solução não adianta”, reclamou a mulher.

Ela disse que contou até o 11.º assalto, mas depois perdeu a conta de quantas vezes seu estabelecimento foi invadido. Segundo a comerciante, cada vez que é roubada o prejuízo é de R$ 100,00 a R$ 300,00. “Parece pouco, mas já pensei em fechar. Levam o lucro e mais um pouco”, lamenta.

Os mesmos

O funcionário de um outro estabelecimento comenta que são os mesmos marginais que atacam freqüentemente. “Alguns que sempre vinham visitar a gente sumiram. Não sei se prenderam ou se morreram. Faz tempo que não aparecem, felizmente”, ironizou. Ele enfatizou que é incontável o número de roubos que já sofreu. “Não registramos queixa porque não adianta. É perder tempo e gastar gasolina”, salienta uma comerciante. “Já que não tem jeito de ressarcir o prejuízo nem ver os marginais atrás das grades, o jeito é se conformar e continuar trabalhando. Fazer o quê? Coisas da vida”, completa.

Outra comerciante da vila diz que os roubos são tantos, que às vezes ela demora para perceber que seu estabelecimento está sendo assaltado. “Eu fico atônita. Volto para a realidade quando eles começam a gritar. Tem uns assaltantes bem nervosos”, contou a mulher. (VB)

Polícia reclama das vítimas

O delegado Sérgio Taborda, titular do 11.º Distrito (CIC), que atende a Vila Sabará, está ciente do problema envolvendo as gangues, do tráfico de drogas e dos assaltos. “Na realidade o problema é em toda a Cidade Industrial”, afirmou. Ele disse que, apesar de ser uma região violenta, não são muitas as reclamações dos moradores. “São poucas as denúncias e procuramos resolvê-las”, informou.

Em toda a Cidade Industrial ocorrem muitos roubos, disse o delegado, sem saber precisar o número, já que a maioria deles é registrada na Delegacia de Furtos e Roubos, assim como os assassinatos de autoria desconhecida, que são investigados pela Homicídios, e o tráfico, a cargo da Delegacia Antitóxicos. “Fazemos de tudo um pouco, principalmente no que se refere ao tráfico de drogas e aos homicídios, mas não temos estatísticas”, salientou. Segundo o delegado, o meio mais utilizado nos assassinatos na Vila Sabará é a arma de fogo. “Diferente da Vila Verde, onde a agressão é a forma usual”, contou.

Denúncias

Taborda disse que já tem algumas denúncias feitas por moradores e comerciantes e o nome de alguns suspeitos. “Estamos trabalhando, mas é um serviço lento porque eles têm olheiros e sabem quando a polícia chega. Já prendemos alguns marginais da Vila Sabará, outros foram mortos e o trabalho continua”, disse. O delegado solicitou a colaboração das vítimas para resolver os crimes. “Se todos acharem que de nada adianta denunciar, o problema jamais será resolvido. Não surte efeito. Às vezes a solução não é imediata, mas sempre dá um bom resultado”, comentou. Ele lembrou que muitas vezes o criminoso é apanhado em flagrante, mas consegue sair da cadeia rapidamente porque não se sabe que ele tem outros crimes. “Entendo que a população acaba desacreditando, mas é preciso combater a criminalidade com uma parceria entre a polícia e a comunidade”.

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