Sem-terra morto por colegas

O assassinato de um sem-terra, ocorrido no início da noite de anteontem, na Fazenda Araupel, em Quedas do Iguaçu, deixou ainda pior o clima de tensão existente no local desde sábado, quando 1500 famílias invadiram a área. Joel de Lima Vaz, 39 anos, que estava acampado, foi morto por volta das 19h30, com um tiro no pescoço e golpes de facão. Os irmãos Antônio, Sebastião e João Maria de Almeida foram detidos. “O Sebastião foi liberado. Já os outros dois confessaram a autoria do crime”, informou o delegado de Quedas do Iguaçu, Daniel Freitas.

De acordo com os levantamentos da polícia, uma dívida antiga, motivada pela venda de um Fusca, teria sido o motivo do assassinato. A vítima teria comprado o carro e não efetuou o pagamento. Todos estariam embriagados no momento da discussão. “Isso pode ser algo plantado para atrapalhar o movimento. Estamos investigando, já que os envolvidos foram empregados de fazendeiros da região”, afirmou Adélson Schwalemberg, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST).

Mediação

O trabalho da comissão de mediação, formada pelos governos estadual e federal, que foi ontem para Quedas do Iguaçu, negociar a situação das famílias do MST que ocupam a Fazenda Araupel desde sábado, não deve ser fácil. Além do próprio deslocamento ter sido atrapalhado pela chuva, os dois lados envolvidos na questões demostram posições antagônicas à proposta que a comissão pretende fazer. Ontem apenas a ouvidora nacional agrária, Maria de Oliveira, se deslocou de carro até o município. Hoje, o procurador-geral do Estado, Sérgio Botto de Lacerda, e o diretor-geral da secretaria de Segurança Pública, Marco Antônio Berberi, também seguem para Quedas do Iguaçu.

Dificuldades

Em reunião ocorrida terça-feira, em Curitiba, ficou definido que a comissão iria propor aos sem-terra que se deslocassem para outra área, no acampamento conhecido como da Bacia, onde integrantes do movimento estão acampados desde 1999. Por sua vez, a comissão também pretende avaliar a propriedade e tentar comprar parte dela para assentar os sem-terra.

O gerente administrativo da Araupel, Edson Araújo, afirmou que a empresa não tem o menor interesse em se desfazer de suas terras. Ele destacou que a produção de manufaturados para exportação, uma das atividades da empresa, depende do espaço físico e que se esse espaço diminuísse, a produção também cairia. “Nós já cumprimos a nossa parte social. Em 97 vendemos 28 mil hectares de terras onde estão os assentamentos Ireno Alves e Rio Bonito do Iguaçu”, lembrou, destacando que esta semana a empresa foi premiada pela Federação da Indústria do Estado do Paraná (Fiep) como a 17.ª maior exportadora do Estado.

Não saio

Os sem-terra também mantém uma posição irreversível. “Não vamos sair daqui para a área da Bacia. O governo tem é que comprar as terras e fazer aqui um assentamento modelo”, revelou Adélson Schwalemberg, coordenador do MST. Ele disse que a situação no acampamento é tranqüila e que os trabalhadores já dão quase como certa a vitória. “Temos 1500 famílias aqui e mais mil estão chegando”, revelou, destacando que o movimento está investigando o cultivo de soja transgênica na Fazenda Araupel. “Se isso for verdade será mais um motivo para que as terras sejam destinadas para a reforma agrária”, disse.

Governo proíbe sindicalista rural de entrar no Estado

O governador Roberto Requião garantiu ontem que vai pedir a prisão do presidente do Sindicato Nacional de Produtores Rurais (Sinapro), Narciso Rocha Clara. A entidade estaria programando para hoje uma carreata de protesto em Curitiba, contra o governador e contra as crescentes invasões de terra no Paraná. O governador afirmou que o sindicalista possui diversas ações criminais na Justiça de São Paulo e que não iria permitir a entrada dele no Estado. Mesmo com a ameaça, Narciso Clara confirmou a carreata para hoje. Ele rebateu as acusações alegando que “fora-da.-lei é ele (Requião) que não cumpre ordem judicial e compactua com a criminalidade do MST?.

Clara confirmou para a Tribuna que a entidade está contratando um serviço de segurança patrimonial para monitorar e inibir as invasões de terras no Brasil. O sistema – que ele não quis adiantar quanto irá custar – será rateado entre os ruralistas associados ao Sinapro – 160 mil no Brasil e 22 mil no Paraná. O serviço vai contar com equipamentos de alta tecnologia, contando com ronda terrestre e aérea, além de sistemas com câmeras digitais. Clara disse que em um primeiro momento, esse serviço será disponibilizado para nove estados, que concentram dez mil fazendas.

No Paraná, os trabalhos de segurança monitorada vão começar pela região do Vale do Ivaí, onde o Sinapro acredita que o movimento dos sem terra irá concentrar as invasões. Narciso Clara disse que existem hoje no País 338 propriedades invadidas em 22 estados. Todas possuem ordem judicial para a reintegração, mas nenhuma foi cumprida. No Paraná, segundo o Sinapro, são 69 invasões com 17 reintegrações. “Se eles estão radicalizando pela esquerda, nós vamos radicalizar pela direita”, disse

Reintegração

O presidente da entidade criticou severamente o governador do Paraná, dizendo que ele é o militante número dois do MST. “O primeiro é o presidente Lula”, disse. Segundo Clara, o Paraná ocupa hoje a segunda posição no Brasil em termos de áreas invadidas – perdendo para Pernambuco -, e isso seria culpa do governador que estaria apoiando o movimento. O Sinapro foi a entidade que pediu a intervenção federal no Paraná, aceita na semana passada pelo Tribunal de Justiça.

O Departamento Jurídico do próprio Sinapro confirmou que há, contra o presidente da entidade, um inquérito criminal por estelionato no Rio Grande do Sul. O Ministério Público Federal reabriu esse inquérito, que investigava cobrança de contribuição considerada lesiva por agricultores gaúchos. A Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep) informou que a classe produtora rural não reconhece o Sinapro como seu representante. Segundo a Faep, o sindicato presidido por Clara distribuiu no Paraná 22 mil boletos de contribuição, com valores de até R$ 1.500,00.

O governador Roberto Requião também não poupou críticas ao presidente do Sinapro, garantindo que ele é um “marginal paulista que não irá entrar no Paraná”. O governador voltou a dizer que o crescimento das invasões no Estado é um reflexo do estado de miserabilidade de cerca de milhões de paranaenses, que acabam vendo no movimento uma oportunidade para se conseguir melhores condições de vida. Requião adiantou que na segunda-feira, às 9h, irá assinar a reintegração de posse de uma área em Campina da Lagoa, e irá convidar o judiciário, magistratura e a imprensa para acompanhar a desocupação. Sobre a morte de um sem-terra em Quedas do Iguaçu, na área da Araupel, Requião disse que não cabe ao governo explicar, “pois o conflito existe e essas situações são inevitáveis”.

“Se vier ao Paraná, ele será preso”, diz Delazari

No final da tarde de ontem, o secretário da Segurança Pública, Luiz Fernando Delazari, declarou que Narciso Rocha Clara, que se intitula presidente do Sindicato Nacional dos Produtores Rurais (Sinapro), pode ser preso se vier ao Paraná hoje, para participar da manifestação anunciada. Delazari apresentou à imprensa documentos e ofícios policiais e judiciais, comprovando que o Sinapro é uma entidade ilegal e que Narciso Clara responde a diversos inquéritos policiais, inclusive com algumas condenações – a maioria por estelionato.

Ainda ontem estes documentos seriam enviados para o delegado titular do Centro de Operações Policiais Especiais (Cope), Luiz Carlos de Oliveira, que seria responsável por tomar as medidas policiais cabíveis – pedir a prisão preventiva de Clara e providenciar policiamento especial no Aeroporto Afonso Pena, de onde partirá o manifesto do Sinapro, e no trajeto até o Palácio Iguaçu, para cumprir a ordem judicial de prisão do acusado.

Preso

O secretário Delazari disse “não ter dúvidas” de que a Justiça paranaense expediria a ordem de prisão de Narciso Clara de ontem para hoje. “Esse cidadão está incorrendo em uma série de sanções penais”, comentou Delazari. Uma delas é a ordem emitida pela Justiça de São Paulo, impedindo o presidente do Sinapro de se afastar da comarca de Carapicuíba, no interior paulista. Nesta cidade, Clara foi preso em flagrante no dia 3 de junho passado, dentro do Fórum, fazendo-se passar por advogado de um traficante. Ficou detido até o dia 9 de junho e está em liberdade provisória, respondendo pelo crime.

O secretário da Segurança também mostrou que o Sinapro não existe legalmente, conforme consulta feita ao Ministério do Emprego e do Trabalho. A pedido do Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul, baseado em denúncia da Confederação Nacional de Agricultores, a Justiça Federal gaúcha determinou recentemente o bloqueio de bens do Sinapro.

Conturbação

De acordo com Luiz Fernando Delazari, “o Paraná vive um momento delicado por causa do conflito entre o MST e os ruralistas”, e o governo do Estado não vai “admitir conturbação da ordem social”. “É inaceitável que um cidadão com uma ficha criminal extensa venha promover baderna aqui”, concluiu.

Voltar ao topo