Rodovia do Milho foi palco de um seqüestro histórico

Um ônibus, dois irmãos seqüestradores e pelo menos 45 pessoas sob a mira de revólveres. Mais que cena de um filme de ação, esses elementos fizeram parte do seqüestro de um ônibus que seguia para Ivaiporã na rodovia Cambira – Itacolomi, a Rodovia do Milho, que começou na noite do dia 17 e terminou na tarde do dia 18 de setembro de 1991.

Passados 17 anos, a reportagem de O Estado foi atrás de alguns dos personagens principais do acontecimento que movimentou a região norte do Paraná e foi um dos mais longos seqüestros registrados no Brasil.

Os criminosos eram Manoel Francisco de Oliveira e seu irmão Joaquim, conhecido como “Joaquinzinho”. Perto das 19h do dia 17, a polícia estourou os pneus do ônibus seqüestrado, que ficou isolado no meio da rodovia. Em pouco tempo, mais de 100 policiais civis e militares montaram o cerco.

Depois de tanto tempo, muitos envolvidos já faleceram ou mudaram de endereço. Um dos reféns que ainda mora na região é Carlos Roberto Vicentin. A princípio, quem estava no ônibus era seu pai, Antônio.

“A preocupação era com nosso pai, que já estava com bastante idade. Por isso fui até o local, conversei com os policiais e pedi para ser trocado por ele. Lá dentro, eles apenas mandavam todos ficarem quietos. Saí de lá com três tiros de bala perdida”, recorda.

As negociações

Desde o início, as negociações foram tensas, conforme conta Cláudio da Cunha Telles, na época delegado-adjunto de Apucarana e um dos coordenadores da operação.

“Os seqüestradores incitavam o pessoal a gritar. Um dos reféns tinha feito uma compra grande de pintinhos e, para aterrorizar quem estava dentro do ônibus, esmagavam os animais”, relembra.

O então prefeito de Apucarana, José Domingos Scarpellini, também foi ao local e negociou a troca dos reféns por ele próprio. “Mantive pela janela um diálogo com o Osmar até ganhar a confiança dele, quando os irmãos aceitaram a troca. Osmar dizia que não queria matar ninguém, mas que queriam ‘sair fora’ e a polícia tinha orientação de não deixar”, disse.

No entanto, a troca que aconteceu foi de Carmen Ruiz de Souza, que estava grávida, pelo advogado Ivalino Turke. No momento em que desceu do ônibus, ela começou a entrar em trabalho de parto.

Levada às pressas para o Posto de Saúde de Cambira, ela deu a luz a uma menina. Foi só na manhã do dia 18 que os irmãos aceitaram fazer a troca das demais mulheres e crianças por água e comida.

Para o delegado Telles, as imagens do seqüestro continuam vivas na memória. “Na janela traseira, uma mulher com criança no colo fazia as exigências para a dupla, enquanto eles apontavam a arma para o bebê. Eu precisava manter a calma e pensar no risco de realmente executarem aquela criança. Todas aquelas vidas estavam nas minhas mãos”, reflete.

O desfecho

Já exausto, Joaquim saiu do ônibus com o refém Ismael de França para checar se havia policiais embaixo do ônibus. “Quando voltava para dentro, segurando o refém pelo pescoço, os policias se aproximaram e, com o nervosismo, Joaquinzinho disparou nas costas do refém. Nunca se soube se ele teve intenção ou se disparou a arma sem querer”, completou Telles.

A execução deu o início para muita correria e ao tiroteio final. Como muitos reféns saíram inclusive pelas janelas, nunca se soube o número exato de pessoas dentro do veículo.

Curiosos ao redor não faltaram. Um ex-policial que observava a operação a 300 metros de distância, Altair de Araújo, morreu ao ser atingido por uma bala perdida.

Joaquim morreu no confronto e Manoel levou ao menos quatro tiros e chegou a se fingir de morto até ser levado para fora do veículo, quando começou a gritar que ainda estava vivo. Foi preso em seguida.

Família de bandidos

Os irmãos Oliveira fizeram parte de uma das quadrilhas mais procuradas pela polícia brasileira, cometendo uma série de crimes em pelo menos seis estados. Além do seqüestro do ônibus em Ivaiporã, a família Oliveira se envolveu em assaltos e homicídios, nas décadas de 1980 e 1990.

A trajetória da família no crime começou com o assassinato do patriarca, Quintino Francisco de Oliveira, nos anos 1970s, no interior do Paraná. A mãe, Oda, com mais de 60 anos, participou de um assalto a banco e, dos 11 irmãos, pelo menos nove já tiveram participação em crimes. Isso sem contar esposas, cunhados e primos.

Ainda na década de 1990, preso no interior de São Paulo, José Francisco de Oliveira quebrou o próprio braço na cela para forçar sua remoção para um hospital, de onde seria resgatado pelos parentes. Já Manoel, depois de passar por cadeias, manicômios e penitenciárias do Estado, foi transferido no início dos
anos 2000 para Cuiabá.

Mais detalhes da família Oliveira estão no recém-lançado livro do delegado Rubens Recalcatti, que participou da ação contra os irmãos Oliveira, e da especialista em Direito Penitenciário Noely Manfredini, Seqüestros – modus operandi e estudos de casos, que foi motivado pelo seqüestro do ônibus em Ivaiporã. (LC)

Até a polícia fugiu dos Oliveira

Dias antes do seqüestro do ônibus, os irmãos Oliveira haviam seqüestrado o empresário Samuel Tolardo, de Maringá, e mantinham o cativeiro no município de Nova Tebas, a 80 quilômetros de Ivaiporã.

A delegacia da cidade foi acionada por meio de um telefonema anônimo, que dizia que havia um carro abandonado perto de um terreno há pelo menos três dias.

Quando chegaram para averiguar a situação, o delegado, um auxiliar e o escrivão foram recebidos a tiros. “Até então, não sabíamos que se tratava de um seqüestro. Como não tínhamos nem polícia no local, fomos nós três checar o carro suspeito.

Nem chegou a ter diálogo, foi troca de tiros logo de cara”, relatou o escrivão de Nova Tebas, Adalberto Wessel. Dos três, ele foi o único sobrevivente. “Nossa munição logo acabou. Eles estavam com metralhadoras e a gente com pistola e revólver.

O delegado nem conseguiu atirar. Eu pulei dentro de um rio e saí dentro do outro lado”, lembra. Foi durante a fuga pela região que aconteceu o seqüestro do ônibus.

Apenas um seqüestro em 2008

Neste ano, apenas um caso de seqüestro em Curitiba foi atendido pelo Tático Integrado de Grupos de Repressão Especial da Polícia Civil, o grupo Tigre, tido como o grupo anti-seqüestro mais preparado do Brasil.

Até então, a média de seqüestros registrada no Paraná vinha sendo de sete casos por ano, número que pode ser considerado médio-baixo, segundo o delegado do Grupo Tigre, Riad Braga Farhat.

A redução de seqüestros de cativeiro é sentida também no Estado de São Paulo, de onde vinham muitos criminosos. “O marginal muitas vezes prefere cometer crime no Estado vizinho. São Paulo ainda tem marginais com grande know how que são enviados para outros locais”, informou o delegado.

Anos atrás, São Paulo registrava mais de 200 seqüestros por ano, perdendo apenas para a Cidade do México. No ano passado, várias quadrilhas especializadas foram desarticuladas e o número caiu consideravelmente.

Neste ano, já se passaram quatro meses sem um novo seqüestro. “Quando a polícia começa a prender os responsáveis, os criminosos migram para crimes mais vantajosos e menos perigosos para eles”, afirma Farhat.