Policiais acusados de receber propina de profissionais do sexo

O juiz titular da Central de Inquéritos, Marcelo Ferreira, tem em mãos um dossiê com informações explosivas envolvendo prostituição, possível envolvimento de policiais no esquema ilegal e uma rixa entre setores da Polícia Civil. O documento foi entregue no início desta semana ao juiz, pelo delegado Luiz Antônio Zavataro, responsável pela blitz que resultou no fechamento da Sauna Imperial, no último dia 2 de julho, sob acusação de funcionar como local de prostituição. Zavataro havia comandado pessoalmente a operação feita por policiais da Divisão de Narcóticos (Dinarc) e Grupo Tigre da Polícia Civil.

O dossiê revela, entre outros fatos, que uma funcionária da Sauna Imperial, localizada na Avenida Visconde de Guarapuava, no centro, disse que o dono do local “paga propina para a polícia”. Surge também a denúncia de que outra funcionária intermediava a venda do medicamento Cytotec para garotas de programa grávidas, que queriam abortar. Surgem, ainda, negociações entre a gerência da casa e um intermediador de Porto Alegre (RS), que estava combinando o “envio” de prostitutas gaúchas para trabalhar na Imperial.

Investigação

A partir de uma carta, que havia sido enviada à Ouvidoria das Polícias, denunciando que as garotas de programa da Sauna Imperial usam drogas no local onde se prostituem, a Dinarc obteve autorização judicial para interceptar o telefone da sauna. Desde o dia 3 de junho, a Divisão vinha gravando todos os telefonemas feitos e recebidos no local. Boa parte do conteúdo dessas fitas está degravado no dossiê, que inclui também fitas de áudio com cópias dos principais trechos das gravações.

A investigação da Dinarc incluiu também o trabalho de um investigador policial, que se fez passar por cliente da sauna e elaborou um relatório onde mostrava como funciona o esquema de prostituição.

Presos

A partir das gravações e do relatório do policial, a Dinarc organizou a blitz, ocorrida na tarde do dia 2 de julho. Não foram encontradas drogas no local. Mas havia prostitutas mantendo relações com clientes, nos quartos que ficam no segundo pavimento da sauna. O dono do lugar, Joelmir Adilson Valério, 59 anos, conhecido como “Joel”; a gerente, Marili de Fátima Luvizotte, 46, apelidada de “Mari”; e a funcionária responsável pelo caixa, Cátia Borges, 23, saíram algemados. Eles foram autuados em flagrante na Central de Polícia pelos artigos 228 (favorecimento de prostituição) e 229 (manter casa de prostituição) e ficaram detidos dois dias na carceragem da Delegacia Antitóxicos (Datox), até conseguirem o habeas-corpus.

Na mesma blitz, cerca de 30 garotas de programa que estavam na casa foram levadas em um ônibus do Grupo Tigre para a mesma delegacia. Todas foram ouvidas e liberadas.

Interrogatórios

Quando interrogados, “Joel”, “Mári” e Cátia não negaram que a Sauna Imperial mantinha quartos para a prática de relações sexuais entre clientes e as garotas de programa. O número de prostitutas variava entre 20 e 30 mulheres por dia. Elas eram “autônomas” – freqüentavam o local e recebiam parte do valor cobrado pelo programa de 40 minutos, R$ 110,00.

A Imperial permaneceu fechada por cerca de uma semana. Reabriu recentemente, mas o proprietário garante que os quartos não “funcionam” mais. A sauna e o bar, que são legalizados e possuem alvará de funcionamento, estão atendendo normalmente, disse “Joel” ontem, em entrevista exclusiva à Tribuna. Um telefonema feito da redação do jornal para a sauna, às 17h30, antes da entrevista com Joel, confirmou o fato. Um jornalista, fazendo-se passar por cliente, perguntou sobre os serviços. A atendente respondeu que no local o cliente só poderia usar o bar, a sauna e massagem. “Não tem mais programa aqui”, afirmou.

Cópias pra todo mundo!

O delegado Luiz Antônio Zavataro disse ontem que pediu ao juiz da Central de Inquéritos, Marcelo Ferreira, que encaminhe cópias do dossiê para o secretário de Segurança Pública, Luiz Fernando Delazari; para a Promotoria de Investigação Criminal do Ministério Público (PIC) e também para o Conselho da Polícia Civil; Secretaria Municipal de Urbanismo; Receita Estadual e Ministério do Trabalho. O secretário Delazari disse à Tribuna que não tem conhecimento do dossiê. Somente depois de tomar ciência do conteúdo do documento deverá se pronunciar.

O delegado-geral da Polícia Civil, Adauto Abreu de Oliveira, afirmou ontem que se houver comprovação do envolvimento de policiais com esquema de prostituição na cidade, o fato será “rigorosamente apurado”. Oliveira também não tinha conhecimento do dossiê. E não escondeu sua insatisfação com a atuação de Zavataro à frente da Divisão de Narcóticos (Dinarc).

Afastamento

Indagado sobre o possível afastamento do titular da Dinarc – boato que vem correndo desde a blitz na Sauna Imperial – Oliveira respondeu que, oficialmente, Zavataro está em férias desde a semana passada. Em seguida, comentou que o delegado José Roberto Jordão, que até duas semanas atrás era titular da 11.º DP (CIC), “vem fazendo um excelente trabalho no combate ao tráfico de drogas naquela região”.

Segundo o delegado-geral, o nome de Jordão veio à tona devido aos elogios recebidos dos Conselhos Comunitários de Segurança.”Pelo que tenho visto, o trabalho da Dinarc tem sido abaixo do que esperávamos. E confesso que não entendi essa blitz na Sauna Imperial. Não entendo porque a Dinarc tem que combater a prostituição, embora esteja fazendo um trabalho policial”, concluiu.

Drogas

O presidente dos Conselhos Comunitários de Segurança do Paraná, José Augusto Soavinski, declarou que a entidade se manifestou favorável ao nome do delegado José Roberto Jordão, devido à sua atuação na CIC. “É um delegado acessível, que participa da comunidade. As drogas são o principal problema das famílias, hoje, e o dr. Jordão se mostrou participativo e engajado no combate ao tráfico na região da CIC”, comentou.

“Acho que vou cair de novo”

Esta não foi a primeira vez que o delegado Luiz Antônio Zavataro empreendeu ação policial contra a Sauna Imperial. Conforme documentos anexados ao dossiê entregue por ele ao juiz da Central de Inquéritos, há dez anos – em março de 1993, quando Zavataro era titular do 3.º Distrito (Mercês) -, determinou diligências no estabelecimento. Zavataro declarou que o delegado-geral na época, Arthur Braga, determinou que as diligências policiais fossem interrompidas imediatamente. “Estranhamente, logo em seguida, sofri uma espécie de punição: fui enviado para a cidade de Telêmaco Borba, onde fiquei por nove meses, como castigo”, contou Zavataro.

O titular da Dinarc acredita que está para ser derrubado do cargo, em represália à blitz na sauna. “É a mesma coisa acontecendo de novo. Está sendo pedida a exoneração do meu principal assessor, meu braço direito na Dinarc; o policial que fez a investigação na Sauna Imperial no mês passado acaba de ser transferido para outra delegacia; e todos os 12 policiais da Dinarc foram tirados da divisão e transferidos para a Datox. Estão lá amontoados, enquanto uma das principais divisões de inteligência da Polícia Civil foi esvaziada”, afirmou.

Interceptação

De acordo com Zavataro, que está em período de licença médica há duas semanas, o delegado-geral Adauto Abreu de Oliveira exigiu que o delegado interino da Dinarc, Carlos Basile Madureira, fechasse a sala da divisão onde são feitas as interceptações telefônicas e entregasse as chaves. “Isso foi feito logo depois que eu saí de licença, e um dia antes de vencer o prazo judicial para interceptação da Sauna Imperial. Pelo que sei, o departamento está desativado”, informou.

Adauto Oliveira disse que o assessor da Dinarc está sendo exonerado porque não é policial civil. “Estamos acabando com essa folia. Como é que uma pessoa que não é policial pode dar ordens e comandar operações policiais? Isso não vai mais acontecer”, rebateu.

“Vingança”

Joelmir Valério, o “Joel”, dono da Sauna Imperial, conversou com a Tribuna e disse que está sendo vítima de vingança por parte do delegado Zavataro. “Há uns 12 ou 13 anos esse policial esteve na sauna e queria sair sem pagar. Ele vivia pela noite. Eu não permiti, desde então ele me persegue. A cidade está cheia de casas de prostituição funcionando abertamente, por que ele veio justamente pra cima da minha sauna, que é de bom nível e funciona certinho?”, indagou.

“Joel” disse que contratou o advogado René Dotti para defendê-lo no inquérito policial. “Estou dentro da legalidade, não tenho mais prostituição na casa. Transformei os quartos em salas com tevê. A sauna e o bar têm alvará para funcionar”, declarou. Joel disse que desconhece as gravações feitas pela Dinarc, e negou que pague propina à polícia. “Nunca paguei nada. Não mexo com drogas e tenho ódio de quem faz isso. Também não sei dessa história do Cytotec. Se as garotas usam drogas, fora do meu estabelecimento, não tenho nada com isso”, concluiu.

O delegado Zavataro disse à Tribuna que as acusações de Joel são infundadas. “Se eu freqüento a noite, é a trabalho, como policial em investigação ou operações legais. E mesmo que quisesse usar os serviços de qualquer boate ou coisa parecida, pagaria do meu bolso. Ganho bem e tenho dinheiro para isso, jamais me envolveria em um esquema desse tipo”, rebateu.

“Grampo” revela propina

“Não sei como pode ter acontecido isso. O Joel paga propina para a polícia.”

Este é um trecho do “grampo” feito pela Divisão de Narcóticos (Dinarc) no telefone da Sauna Imperial. A Tribuna teve acesso ao documento com a degravação das fitas. A frase teria sido dita por uma funcionária da sauna, conversando com um suposto cliente, no dia seguinte à blitz feita em 2 de julho passado, que resultou no fechamento temporário do estabelecimento. O “Joel” citado é o proprietário da sauna – Joelmir Adilson Valério -, que foi autuado em flagrante por favorecimento à prostituição e por manter casa de prostituição.

Negociação

Em diversos trechos das degravações, funcionárias da sauna negociam com pessoas de Porto Alegre, que ficaram de enviar garotas de programa para trabalhar na Imperial. “Pode mandar, a gente coloca elas em um hotel aqui perto, ou aluga um apartamento”, diz a funcionária. Depois de muitos dias de “negociação”, uma das meninas chega a Curitiba e acaba se hospedando em um quarto nos fundos da sauna.

Outro diálogo comprometedor se refere a um investigador da Polícia Civil. A gerente telefona para uma delegacia de Curitiba e pede para falar com o policial. Como ele não está, deixa um recado para o plantonista: “Pede pra avisar ao fulano que os documentos que ele pediu estão aqui, tudo certinho, pra ele passar e pegar”.

Aborto

Também fica evidente a comercialização do medicamento Cytotec, utilizado para provocar aborto. Uma mulher telefona e pede o remédio. A funcionária responde que consegue por R$ 30,00. “Mas avisa que leva uma semana pra entregar”. Depois, demonstra preocupação ao saber que a garota grávida tem 16 ou 17 anos e é “fraquinha”. Alerta para cuidar, se não a menina vai ter um “piripaque”.

Boa parte dos telefonemas gravados se refere ao fechamento da sauna. Logo depois da blitz, funcionários, clientes e amigos trocam telefonemas comentando a ação da polícia. No primeiro momento, todos se mostram chocados, sem entender o porquê da ação policial.

“Vagabundo”

Alguns dias depois, porém, os diálogos mudam de tom. Estes são alguns trechos pinçados das degravações feitas pela Dinarc no dossiê: “É coisa daquele delegado vagabundo (referindo-se a Luiz Antônio Zavataro), que quer se vingar do Joel”. “Foi coisa bem amarrada pro lado do Joel”. “Saiu na Tribuna, falava que acharam as coisas? Não acharam nada, então tá bom”. “Fica tranqüilo, que o delegado que fez isso já caiu. Por causa disso, ele foi rebaixado”. “Aquele delegado (referindo-se a um delegado da Central de Polícia) disse que já pode abrir normal. Toda a polícia tá revoltada com o fato (referindo-se ao fechamento da sauna)”. “Não posso falar muito, o telefone tá grampeado” (dando a entender que tinha sido avisado sobre a interceptação do telefone).

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