Monitoramento não basta para reduzir violência

1984. Como forma de criticar os estados fascistas, o onipresente “Grande Irmão” (Big Brother) foi idealizado pelo autor George Orwell para representar o possível controle total dos cidadãos no futuro, por meio da vigilância das teletelas, pelo estado totalitário.

2008. Em sociedades democráticas é a população que, em sua maioria, pede a instalação de câmeras de vigilância em espaços públicos em nome da segurança. O aumento da criminalidade fez com que o poder público começasse a investir na implantação desses aparatos em locais de maior movimento.

Mas apesar do apoio popular e do incentivo de vários governantes à idéia, o fato é que, até agora, a relação entre monitoramento e redução da criminalidade não se comprovou. Por aqui, dados que comprovem ou desmintam essa tese não são divulgados pelo poder público.

Em Londres, a cidade mais monitorada do mundo, um relatório do próprio governo britânico apontou que as milhares de câmeras funcionando não tiveram resultado positivo para a diminuição da criminalidade. Mesmo assim, os ingleses aprovam a instalação do sistema.

Na capital inglesa, uma pessoa pode chegar a ser vista pelo sistema até 300 vezes ao dia. Em toda a Grã-Bretanha, são mais de 4,2 milhões de câmeras do Closed-Circuit Television, ou CCTV: uma para cada 14 habitantes do país.

De acordo com o professor em Gestão Urbana, Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Rodrigo Firmino, que participa do estudo “Vigilância Urbana e Controle do Espaço na Cidade Contemporânea”, o medo do terrorismo favoreceu a colocação do sistema de monitoramento.

Também preocupada com o terrorismo, outra cidade européia interessada em quadruplicar o número atual de câmeras é Paris. Diferente do modelo londrino, no projeto está a preocupação com a privacidade. “Na França, a idéia é guardar as imagens por período limitado – tempo bem menor que em Londres – e depois apagá-las”, explica Firmino.

Segundo o professor, o modelo francês prevê que, quando a câmera passe num raio de um apartamento, por exemplo, a imagem seja escurecida automaticamente.

“Quem monitora não vai poder vasculhar espaços privados. Essa é a preocupação na hora de instalar, mas a sociedade tem que discutir também a própria implantação e sair da relação simplista “câmera = maior segurança’, que não é necessariamente verdade”, aponta.

Por trás da discussão, está mais que a eficiência do modelo. “Não estamos discutindo as questões éticas, políticas e sociais. As pessoas acham que por estarem em lugar público não tem problema serem vigiadas, mas é preciso discutir para ver se realmente queremos construir essa sociedade vigiada. Não sei como vai ser o espaço público do futuro e se as pessoas concordarão em ser vigiadas a todo momento”, alerta o professor.

Prova

Mesmo que a câmera registre uma infração, nem sempre a imagem pode ser usada como uma prova do ato, pois depende da qualidade da imagem. Se a imagem estiver distorcida ou borrada, o que acontece com freqüência, o acusado pode ser absolvido, segundo o advogado criminalista Maurício Stegemann Dieter. “Não se pode confiar em gravação de vídeo para fundamentar uma pena. A polícia deve dominar recursos técnicos muito mais elaborados do que isso”, opina.

Curitiba ganhará mais câmeras


Arquivo
Guarda municipal faz monitoramento no Cimec: lojistas aprovam idéia.

Para os próximos dois anos, a prefeitura de Curitiba pretende ampliar o Centro Integrado de Monitoramento Eletrônico de Curitiba (Cimec) e colocar câmeras em terminais de ônibus, nas nove Ruas da Cidadania e em vias de maior fluxo de pessoas e concentração de lojas, como as Avenidas Paraná, Brasília, República Argentina e Toaldo Túlio.

Essa ampliação foi estimulada pelo retorno positivo de moradores e lojistas de locais em que as câmeras já foram instaladas, como a Rua Riachuelo, no centro da cidade, conforme aponta o diretor da Secretaria Municipal de Defesa Social, Ariosvaldo Alves Nery.

“Os comerciantes e as pessoas que circulam por esses locais estão satisfeitos. Com o monitoramento, acabamos com uma rede grande de traficantes no Alto São Francisco, por exemplo. Eles não desapareceram. Alguns foram presos e outros mudaram para locais próximos que não têm a presença de câmeras”, afirma Nery.

Por conta dessa migração dos marginais para fora do alcance das filmagens, a presença de agentes da Guarda Municipal e da Polícia Militar tem se intensificado nos arredores para coibir essas ações criminosas, segundo informações da prefeitura.

Ainda não há um valor estimado do total de recursos que será destinado para a ampliação de câmeras pela cidade, já que esse cálculo depende de definição da quantidade e do modelo das câmeras que serão colocadas.

Segundo Nery, uma câmera que capta 360 graus, como as que já estão no centro, tem um custo que varia de R$ 10 mil a R$ 12 mil. Já câmeras mais simples, que são fixas, têm uma média de R$ 5 mil. “Além desse valor, a infra-estrutura para instalação dos aparelhos é quase duas vezes o valor da câmera”, calcula Nery.

Sistema poderia ajudar governos a reduzir gastos

A falta de conhecimento dos equipamentos e dos valores de cada tecnologia é o grande problema do poder público, na visão do presidente do Sindicato das Empresas de Segurança Privada do Paraná (Sindesp-PR), Jeferson Nazário. “Costuma-se ter em mente que isso representa um custo pesado, não um investimento. Querem colher sem plantar”, analisa.

Nazário defende que, a médio prazo, poderia se reduzir os gastos no combate à violência e depredação do espaço público com a ampliação do sistema de monitoramento, que contribui para identificar os autores dos atos infracionais e que, por isso, para o Sindesp, deveria fazer parte do planejamento das cidades. O presidente do sindicato acredita que as câmeras fazem parte de um complexo de ações que deveriam ser implantadas.

“A nova visão da segurança pública tem que passar pelo diálogo com as empresas privadas, pois a grande maioria delas possui um sistema de câmeras cujas informações poderiam ser disponibilizadas para o Estado. Isso não acontece porque o poder público não sabe tratar essas informações”, critica.

***

44 câmeras estão instaladas hoje em Curitiba.

14 na Rua XV de Novembro
24 na região central
6 no Parque Barigüi

73 câmeras é o total que a prefeitura pretende atingir nos próximos dois anos.

984 ocorrências foram registradas por todas as câmeras da cidade do fim de março até 1º de novembro.