Medo de denunciar abuso sexual persiste

Diariamente, em todo o mundo, milhares de crianças e adolescentes de zero a 18 anos de idade são vítimas de maus-tratos, atentados violentos ao pudor e estupros. Para conscientizar a população brasileira sobre o assunto e convencê-la a não “fechar os olhos” em relação ao problema, diversas entidades governamentais e não governamentais promoverão, na próxima terça-feira, o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.

A delegada-chefe da Delegacia Especial de Proteção à Criança e ao Adolescente, que fica em Brasília (DF), Selma Maria Frota Carmona, explica que é muito difícil saber exatamente quantas crianças e adolescentes são vítimas de abusos no País, pois muitos casos não são denunciados. De 15 de maio de 2003 ao último dia 10, o governo federal recebeu 5 mil denúncias de diversos estados brasileiros, mas a suspeita é de que o número de ocorrências seja muito maior.

Agressores

Embora as meninas sejam as maiores vítimas, o problema não deixa de acontecer entre os meninos e está presente em todas as classes sociais. Geralmente, em casos de espancamentos e outros tipos de violência física, a maior agressora é a própria mãe. Já em situações de abuso sexual, os pais, padrastos, avôs, irmãos, tios, primos e vizinhos costumam ser os maiores responsáveis.

“Na maioria dos casos, o agressor é uma pessoa conhecida”, revela Selma. “No que se refere a atentados ao pudor (como manipulação de órgãos sexuais e outras partes do corpo da criança) e estupros, em que o homem geralmente é o agressor, a mãe da criança não tem conhecimento do que acontece ou não denuncia, com medo de ser punida, perder o companheiro ou mesmo o amparo financeiro.”

Outro abuso comum é a exploração sexual com fins comerciais. Nesses casos, as crianças e adolescentes são convencidas ou forçadas a vender o próprio corpo, inclusive por parentes. “A divulgação de fotos de crianças e adolescentes pela internet também é uma prática comum. As maiores vítimas costumam ter entre nove e dez anos de idade”, revela a coordenadora nacional de enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes do governo federal, Elizabete Leitão.

Traumas

Os abusos e a exploração geram uma série de traumas. Podem resultar em fraturas, deixar a criança com problemas de locomoção e cicatrizes. Porém, os maiores prejuízos são os psicológicos. “A violência acompanha a pessoa pelo resto da vida e é muito difícil de ser superada”, considera o coordenador executivo do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca), que fica na Bahia, Waldemar Oliveira. “Se não tratado, o menor pode se tornar um adulto inseguro, introspectivo, com problemas de sono, arredio, amedrontado, com dificuldades para enfrentar a vida social e profissional, ou mesmo um novo agressor – sendo que grande parte dos abusadores também foram abusados na infância.”

O tratamento da criança envolve a participação de psicólogos, ginecologistas, assistentes sociais e da própria família. Atividades envolvendo arte, educação e esportes, sempre com a supervisão de psicólogos, são incentivadas por permitirem a inclusão social da vítima. Em casos de gestação proveniente de estupro, a legislação brasileira permite o aborto. Nessas situações, os especialistas acreditam que a adolescente acaba sendo vítima de um duplo trauma: o estupro e o fato de ter que gerar um filho do estuprador.

Serviço: telefones para denúncias de abusos e exploração sexual infantil: em todo Brasil: 0800-990500; em Curitiba: 156; em Foz do Iguaçu: 0800-6438111

Vendem corpo para sustento

No Paraná, a situação não é diferente do que em outras regiões do País. As cidades onde o problema é mais visível são Paranaguá e Foz do Iguaçu. Na primeira, o porto e a grande movimentação de caminhões contribui para que menores sejam levados de uma região a outra do Estado ou do País. Já em Foz do Iguaçu, a exploração sexual infantil é facilitada por ser região de fronteira (com a Argentina e com o Paraguai), onde acontece o tráfico de crianças e adolescentes, e por ter um fluxo de turistas muito grande.

“Assim como o Nordeste do Brasil, Foz do Iguaçu é uma região de calor e que atrai turistas do mundo inteiro e durante o ano todo”, diz a coordenadora de projetos da ONG Ciranda (Centro de Notícias de Direitos da Infância), em Curitiba, Lilian Romão. “O dinheiro que as crianças e adolescentes ganham geralmente é utilizado no sustento da própria família.”

Em Curitiba, segundo a coordenadora de enfrentamento à violência da Fundação de Ação Social (FAS), Célia Fayzano, são verificados, em média, entre cinqüenta e sessenta casos de abuso por mês. As maiores vítimas são meninas entre 5 e 9 anos de idade. O problema é mais visível entre as classes mais baixas, mas também está presente entre os mais ricos. “As denúncias são maiores nas classes mais baixas. Nas mais altas, as pessoas geralmente possuem uma preocupação maior com a imagem e a reputação e acabam não denunciando”, explica.

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