Incômodo nas ruas de Paranaguá

Os moradores de rua continuam sendo um incômodo em Paranaguá. Apesar dos esforços da prefeitura que, depois dos casos em que a Guarda Municipal foi acusada de torturar mendigos e promover “limpeza social”, alega ter mudado radicalmente a forma de abordagem. Desde março deste ano, o município cadastrou 184 moradores de rua. E contabiliza, hoje, 45 pessoas perambulando pelas ruas da cidade, fora outras 50 atualmente alojadas em um abrigo – um índice de 0,071% em relação à população total, que está preocupando os comerciantes locais.

De acordo com o presidente da Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Paranaguá (Aciap), Yahia Hamud, a população em situação de rua provoca reflexos diretos no comércio da cidade. “Os consumidores reclamam. De dia, o problema é a coação do flanelinha e do pedinte. Muitos afastam os clientes e os agridem. À noite, ocorrem pequenos delitos. Isso causa insegurança no centro”, aponta. “Muita gente vem achando que tem emprego fácil, em função do porto. Mas quando chegam aqui, a realidade é outra.”

A Aciap tem promovido, segundo Hamud, ações para mudar a situação. E isso inclui até pressão sobre a prefeitura. Na última semana, por exemplo, a diretoria da Associação recebeu o secretário municipal da Criança, Promoção e Assistência Social, Joaquim Guilherme da Silva Filho, e a diretora do Departamento de Proteção Social Básica, Silvia Correia. “Tem muita coisa ainda a ser trabalhada, como campanhas para as pessoas não darem esmolas”, indica Hamud.

Silva Filho concorda com a necessidade de campanhas. E dá recomendações à população: “Não dar esmola e comida. Muitos fazem por questão cultural ou religiosa. Mas, dando esmola, fixam o morador no local.” Para ele, as pessoas e entidades que adotam essa prática deveriam ao menos tentar conversar com os moradores de rua a quem ajudam, para convencê-los a procurar os órgãos oficiais responsáveis pelo assunto.

Por órgãos oficiais, entenda-se o resgate social. A secretaria mantém uma equipe de educadores circulando em vários locais, inclusive na entrada da cidade. Além de cadastrarem os moradores de rua, a equipe tenta convencê-los a procurar o albergue mantido pelo município ou a voltarem às suas cidades de origem. Está programada, inclusive, a inauguração de uma sala de resgate na estação rodoviária, com o mesmo objetivo.

“No mesmo instante que a pessoa chega, já tentamos convencê-la a retornar para sua cidade”, explica Correia. “A maioria é bem receptiva (às abordagens). Mas muitos não querem uma ajuda.” Nesse caso, Silva Filho admite que não há nada a fazer, a não ser respeitar o direito de ir, vir e permanecer da pessoa. Mas ela acredita que o trabalho tem dado resultado: dos 184 moradores de rua cadastrados desde março, 70 voltaram à suas cidades de origem, oito estão resgatando vínculos com suas famílias e onze estão em tratamento contra a dependência química.

Padre

As denúncias, em 2006, de tortura e maus-tratos a moradores de rua em Paranaguá não deram praticamente nenhum resultado até agora. Segundo o Ministério Público, o inquérito policial feito na época foi arquivado e sobrou apenas uma ação civil pública proposta pelos promotores, que pedem a destituição dos guardas municipais envolvidos e indenização para as vítimas. Na época, um dos principais envolvidos na defesa dos mendigos foi o padre Adelir de Carli, morto após uma mal-sucedida tentativa de viajar a Dourados (MS) içado por balões de gás.

Batalha contra a dependência química

Fábio Alexandre
Ana L&uacut,e;cia: “Erguer a cabeça”.

A dependência química -principalmente de álcool e crack – é o problema mais recorrente entre os moradores de rua de Paranaguá. Para muitos, é justamente o principal motivo que levou a pessoa a viver nas ruas. É o caso de Ana Lúcia Cardoso. Ela chegou no litoral paranaense há 12 anos, vinda de Santos (SP). Teve quatro filhos e o marido foi preso. Depois, acabou se viciando em crack e perdeu até a casa em que morava por causa da droga.

Hoje, Ana está no albergue do município, tentando retomar a vida que tinha antes. “É a minha última chance”, diz. “Faz quatro meses que estou aqui. Nesse tempo não coloquei nenhuma química na minha boca.” Esperançosa, ela conta que tem visitado os filhos regularmente no Lar dos Meninos e que pretende, no futuro, ajudar outras pessoas a “sair dessa vida”.

Nem todos os albergados, porém, podem ficar todo esse tempo lá. Segundo a diretora do Departamento de Proteção Social Básica, Sílvia Correia, o prazo máximo para a maioria é de apenas três dias. As exceções são tratadas caso a caso. Se o morador, por exemplo, estiver retomando contato com a família, ou demonstrar vontade de deixar as ruas, pode ficar por mais tempo.

“As pessoas aqui correm atrás de serviço, saem daqui arrumados, mas voltam tristes”, afirma Cardoso. Ela acredita que a principal causa disso é o preconceito das pessoas. Mas há exceções: “Um aqui está trabalhando em um açougue”, diz. Destino que ela espera compartilhar: “O que quero hoje em dia é erguer a cabeça e começar um novo caminho”.