Falta de limites pode levar jovem à criminalidade

A falta de estrutura familiar, a vivência nas ruas e o contato com os entorpecentes fazem parte do caminho trilhado por milhares de jovens, que abandonam os estudos para ingressar na criminalidade. Segundo a delegada Selma Braga, titular da Delegacia do Adolescente de Curitiba, a falta de limites impostos pelos pais é um fator determinante para o crescente índice de crimes cometidos por menores.

O número de adolescentes que estão sob a responsabilidade da Justiça assusta. De acordo com o presidente do Instituto de Ação Social do Paraná (Iasp), José Wilson de Sousa, atualmente, no Estado, existem 700 jovens infratores, com idades entre 12 e 18 anos. Deste total, 350 estão recolhidos em nove unidades do Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Infrator (Ciaadi), espalhadas pelo Estado, aguardando decisão judicial. “Eles ficam recolhidos até 45 dias nesses centros para que o juiz determine qual a sanção a ser paga, o que depende da gravidade do ato cometido”, explica Sousa.

Punições

As punições podem ir desde uma simples advertência até a privação de liberdade, onde o adolescente permanece até três anos internado na unidade social. Além dessas medidas, o juiz ainda pode decretar a obrigação de reparar o dano, no caso de vandalismo; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida, quando o adolescente fica em casa, mas é obrigado a comparecer a um programa municipal semanalmente, para que sua conduta seja avaliada, e semi-liberdade, onde o jovem apenas dorme na unidade de detenção.

Além desses adolescentes, outros 300 já foram sentenciados e punidos com a privação de liberdade. Deste total, 270 são meninos, reclusos em várias unidades do Paraná, sendo a principal delas o Educandário São Francisco, situado na capital do Estado. Já os outros 30 são meninas, detidas na Unidade Social Joana Miguel Rixa, que concentra as menores infratoras de todo o Paraná, também, localizada em Curitiba.

Limites

Trabalhando diariamente com casos envolvendo menores infratores, a delegada ressalta a falta de imposição de limites pelos pais, que delegam à escola o dever de educar os filhos. Com isso, a indisciplina é um dos problemas mais enfrentados pelos educadores.

“Apesar da criminalidade envolvendo adolescentes ser um problema social, a origem da questão é familiar, pois geralmente o jovem que incide no crime vem de uma família desestruturada e que também se encontra em situação de risco”, afirma. Por fim, para a delegada Selma, o poder público também tem uma parcela de culpa nessa triste realidade. “O que a gente percebe é que o Estado não assegura os direitos dos adolescentes e, como conseqüência disso, eles querem crescer sem deveres”, finalizou a delegada.

Driblando a dura realidade

Lavar roupas aos sábados, fazer a janta todos os dias, ajudar a cuidar dos quatro irmãos e limpar a casa. Essa é a rotina vivida pelo caçula do projeto Formando Cidadão, um garoto de 13 anos que carrega a responsabilidade de adulto no pequeno corpo de criança.

Ele conta que a mãe trabalha como cozinheira e o pai é pedreiro e, por isso, todos os dias eles chegam tarde em casa. Por ser o filho mais velho, o garoto é incumbido de fazer o jantar, e o que sobra é servido no almoço no dia seguinte. Participando do projeto há quatro meses, ele passou a estudar pela manhã, a freqüentar 13.º BPM à tarde, e a ajudar a mãe nos afazeres domésticos à noite e nos fins de semana. Antes de participar do Formando Cidadão ele passava as tardes na rua, onde afirmou ter recebido várias ofertas para o uso de entorpecentes. “Já me ofereceram drogas mas eu nunca aceitei. Sei que não é bom porque meu pai já usou e muitas vezes chegava ruim em casa e brigava com minha mãe”, contou.

O contato com os outros meninos, com os policiais militares e com a educadora parece já ter surtido bons resultados. “Depois que entrei no projeto apreendi a ter respeito pelos outros, a seguir as regras da polícia e a mexer na horta. Eu mudei muito”, garantiu o menino.

Quando questionado sobre um sonho que gostaria de realizar, o garoto não pensou para responder. “Quero ter dinheiro para dar um presente para meu pai e minha mãe. No domingo, quando foi dia dos pais, não pude comprar nada para ele. Por isso quero me formar e um dia ser médico”, disse o menino, que dá os primeiros passos no caminho para poder realizar seus desejos.

Boa vontade pode virar o jogo

Na tentativa de resgatar a alto estima de meninos carentes e deixá-los menos vulneráveis à criminalidade, a Policia Militar do Paraná desenvolveu o projeto Formando Cidadão. A iniciativa visa retirar os adolescentes em situação de risco das ruas e levá-los para dentro do 13.º Batalhão de Polícia Militar, onde eles praticam esportes, lidam na horta e são estimulados a estudar e a resgatar os vínculos familiares. A iniciativa, apesar de singela se comparada à grandiosidade do problema, já conseguiu mudar ao menos a realidade de alguns jovens moradores da Invasão Uberlândia, localizada no bairro Novo Mundo, onde o consumo de drogas e as oportunidades para incidir no crime crescem de maneira desenfreada.

Todas as tardes, 25 meninos, a maioria moradora na invasão, seguem para o 13.º BPM, onde participam de várias oficinas ministradas pelo cabo D?Assunção, pelo soldado Bonfim, e pela educadora da Fundação de Ação Social (Fas), Ilda Vaz. Lá, eles ganham reforço escolar, já que uma das exigências para participar do programa é estar estudando, além de participarem de várias atividades esportivas, culturais e de lazer. Através do projeto, os menores são encaminhados para cursos ofertados pela Prefeitura. Atualmente, seis deles estão recebendo formação em digitação, informática, panificação e confeitaria. Quanto às atividades de lazer, o destaque vai para a horta, onde os jovens aprendem a se socializar através do trabalho coletivo e são recompensados com as verduras que eles mesmos semeam, cultivam e colhem. Além disso, o incentivo ao esporte é outro destaque. Os adolescentes não poderiam ter ganho melhor preparador, pois eles contam com o apoio e o incentivo do cabo D?Assunção, maratonista que já participou várias vezes da Corrida de São Silvestre, em São Paulo.

Caráter

Porém, a idéia principal do projeto concentra-se nas aulas de formação social e pessoal. Visando a formação do caráter dos jovens, os policiais, junto com a educadora, trabalham com o conceito de valores. Através de vídeos educacionais e do uso de parábolas e contos, os adolescentes são estimulados a escrever redações e a refletir sobre o tema proposto. “Eles são como diamante bruto que precisam ser lapidados. Por isso conversamos muito sobre o que é certo ou errado e sobre os valores da sociedade. Dar um abraço, falar uma palavra de carinho é fundamental para jovens carentes que, na maioria das vezes, nunca recebem isso dos pais”, afirma D?Assunção, que depois de trabalhar 28 anos nas ruas como policial, resolveu dedicar-se à causa social.

Como resultado do trabalho, Ilda afirma que a grande satisfação é ver os meninos saírem do projeto com uma perspectiva de vida, com um caráter formado e afastados do risco de incidirem na criminalidade. “Quando eles estão nas ruas a oferta das drogas é muito grande. Sem uma estrutura familiar, fica fácil eles aceitarem e, a partir disso, começarem a praticar crimes. Por isso, aqui eles são instruídos, incentivados e tornam-se capazes de discernir o que é melhor para eles”, diz Ilda.

Participação

O sucesso do projeto é tamanho que, hoje, existem 105 adolescentes aguardando para participar. Após preencher um cadastro, a prefeitura analisa a situação de cada jovem e faz a seleção. Os adolescentes podem permanecer até dois anos no Formando Cidadão e, durante esse período, a família é beneficiada com uma cesta básica, mensalmente. “É uma forma de incentivar a família a manter o jovem na escola e garantir a permanência dele no projeto”, finaliza Bonfim.

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