Escândalo leva policiais para a cadeia

Duas semanas depois da série de denúncias divulgadas pela Tribuna e pelo programa Tribuna na TV, quanto ao envolvimento de policiais civis na rede de pedofilia associada a extorsões, o secretário da Segurança Pública do Paraná, Luiz Fernando Delazari, finalmente se pronunciou sobre o caso. Onze policiais foram presos, entre eles dois delegados, seis investigadores, um escrivão e dois agentes administrativos. Outros três policiais estão foragidos. As prisões foram feitas simultaneamente pela manhã, durante a operação que o secretário avaliou como a maior da história de combate à corrupção na Polícia Civil, batizada de "Navalha na Carne".

Durante entrevista coletiva, Delazari não divulgou os nomes dos policiais e nem o local onde estão recolhidos, porque o processo está em segredo de Justiça. A Tribuna conseguiu os nomes dos presos e foragidos, mas não irá divulgá-los até que sejam liberados. Os policiais, lotados no 4.º, 7.º (Vila Hauer) e 12.º(Santa Felicidade), são acusados de concussão (extorsão cometida por funcionário público), formação de quadrilha, exploração sexual infanto-juvenil, corrupção de menores, estupro e atentado violento ao pudor.

Esquema

Luciana Polerá Correia Cardoso, 21 anos, é acusada de aliciar meninas com idade entre 11 e 14 anos, e promover encontros amorosos com empresários selecionados pela internet. A irmã dela seria o elo com as meninas, que participavam do esquema, instigadas pelo ganho do dinheiro fácil.

Quando as garotas (geralmente três) e o pedófilo estavam nus, em um quarto de motel ou apartamento, uma das meninas ia ao banheiro. Este era o sinal para Luciana chamar os policiais civis, que já aguardavam no local. Eles invadiam o cômodo e cobravam entre R$5 e R$ 35 mil para não efetuar as prisões.

No dia 28 de abril, um engenheiro foi levadoao  4.º DP, e não aceitou pagar o valor exigido. Ele avisou o filho, estudante de Direito, que denunciou a extorsão à corregedoria. O flagrante, então, foi feitos às pressas, permeado de contradições. Depois disso, a teia se desfez e descobriu-se outros integrantes da quadrilha. Até então, apenas Lincon Lima dos Santos, tio de Luciana, havia sido preso. A aliciadora chegou a ser levada ao 4.º DP por policiais da Patrulha Escolar Comunitária, que investigavam denúncias feitas pelas estudantes. Porém, Luciana foi liberada pelo delegado Edson Costa. A aliciadora está foragida, e não há pistas de seu paradeiro.

Secretário, enfim, fala

Delazari deu entrevista coletiva à imprensa acompanhado da corregedora da Polícia Civil, Charis Negrão Tonhozi. Estranhamente, o delegado-geral Jorge Azôr Pinto não compareceu para falar da operação que envolvia diretamente seus subordinados. A divulgação dos nomes dos envolvidos não foi feita sob a alegação de o processo estar em segredo de Justiça e também como medida de proteção às meninas. Charis também não quis se pronunciar à imprensa.

Delazari enalteceu o trabalho da corregedoria, elogiando as investigações "como um trabalho brilhante" e avaliando como fundamental a participação da Polícia Militar. Dois soldados da Patrulha Escolar Comunitária (PEC) foram homenageados, anteontem, por atenderem a ocorrência que desencadeou na descoberta da existência da quadrilha. O secretário não disse como estão as investigações na procura da aliciadora, nem revelou se há outros mandados de prisão expedidos.

"Elas são biscatinhas…"

Mara Cornelsen

Inacreditável. Mas diante das graves denúncias de que uma quadrilha formada por policiais civis usava garotinhas de 11 a 14 anos para extorquir pedófilos – confirmadas ontem pelo próprio secretário de Segurança Pública do Paraná – o que mais se ouvia nas principais delegacias de Curitiba era a frase: "elas são biscatinhas". Policiais antigos, delegados renomados, pessoas que deveriam ser as primeiras a condenar as ações dos bandidos travestidos de agentes de segurança, limitavam-se a culpar as meninas e, pasmem, suas famílias.

"As mães dessas garotas é que deveriam ir para a cadeia, pois não cuidaram bem delas. No mínimo eram coniventes", diziam os policiais, numa demonstração de indecente corporativismo. Como podem esses homens esclarecidos, representantes da Lei, se esconderem atrás da repugnante desculpa de que as culpadas são as meninas, crianças ainda, vindas das classes mais pobres, arregimentadas em escolas públicas da cidade. As mães delas – a maioria – trabalham o dia todo, em busca do minguado salário que garante pelo menos a alimentação. Essas mesmas mães acreditavam que, se algo de ruim pudesse acontecer com suas filhas, elas teriam a proteção da polícia. No entanto, aconteceu o contrário. Eram os policiais, não só coniventes, mas também instigadores do crime. Eles lucravam milhares de reais, extorquindo outros criminosos – os pedófilos – que caíam na armadilha cautelosamente premeditada. Uma trama, no mínimo, nojenta.

Foi difícil acreditar na história, a princípio timidamente revelada por algumas garotas. Foi difícil esperar que as autoridades competentes tomassem as providências – adotadas só depois que o escândalo ganhou corpo na imprensa. E agora, está sendo mais difícil ainda engolir a frase "elas são biscatinhas". Resta-nos a esperança de que pelo menos uma parcela da Polícia Civil reaja, levante sua voz e lute para proteger essas crianças, exigindo a punição rigorosa ao grupo de homens que se fez "gigolô" do mundo cão. Assim, estarão protegendo também suas reputações de policiais decentes e a da instituição.

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