Desembargador Valeixo retoma caso das orgias

O desembargador Carlos Hoffmann, do Tribunal de Justiça, designado na segunda-feira para presidir o inquérito sobre as orgias em Campo Largo, não é mais responsável pelo caso. O inquérito retornou, ontem, ao desembargador Octávio Jorge de César Valeixo – o primeiro que havia sido designado pelo TJ para presidir as investigações, mas não assumiu porque estava em licença para tratamento de saúde. Valeixo, que voltou ao trabalho ontem, informou que as investigações devem ser concluídas em 30 dias.

O TJ informou também que os autos foram remetidos à Procuradoria Geral de Justiça, para manifestação sobre possíveis diligências. “Assim que a PGJ tiver um parecer sobre o caso, as investigações terão prosseguimento, com o cumprimento dos atos que se fizerem necessários”, comentou Valeixo.

Ontem o desembargador esteve com o delegado titular do Centro de Operações Policiais Especiais (Cope), Marcus Michelotto, para tomar ciência dos procedimentos realizados até o momento. As novas diligências que se fizerem necessárias serão realizadas em segredo de Justiça.

CPI

Na Câmara de Vereadores de Campo Largo, os trabalhos da CPI instalada na segunda-feira para apurar as denúncias de envolvimento de vereadores nas orgias não avançaram. De acordo com o vereador Lourival Netzel, presidente da CPI, os integrantes da comissão estão preparando ofícios para enviar à polícia pedindo explicações sobre o vazamento dos nomes dos vereadores suspeitos para a imprensa. Netzel disse também que entrou em contato com o Tribunal de Justiça para pedir que a CPI possa acompanhar os depoimentos que forem tomados, de agora em diante, em relação ao caso – especialmente das garotas de programa e adolescentes que já foram ouvidas pelo Cope.

Os outros integrantes da CPI são os vereadores Juarez Butture de Oliveira, como relator, e Luiz Andrade de Souza. Um dos vereadores citados no caso das orgias é o atual presidente da Câmara de Campo Largo, Airton José de Oliveira. O outro é João Zanlorenzi. Ambos tiveram os nomes citados por uma das garotas que participaram das festas, em entrevista à uma emissora de TV.

Orgias podem ser “ponte” para tráfico internacional

A pacata cidade de Campo Largo, com seus quase 100 mil habitantes e localizada na Região Metropolitana de Curitiba, poderá ter novas surpresas no que diz respeito a escândalos sexuais. Recentemente o município passou a ser citado no noticiário nacional como local em que aconteciam orgias sexuais, com menores carentes, das quais estariam participando vereadores, empresários, policiais e até o juiz da Comarca. O que poucos sabem é que algumas jovens moradoras na cidade foram levadas para a Espanha, provavelmente para trabalhar na prostituição. Quem as leva e como as leva é um grande segredo. Familiares das garotas que viajaram se recusam terminantemente a falar sobre o assunto. No entanto, há quem suspeite que exista uma ligação entre as “festas” que aconteciam em chácaras e o tráfico internacional de mulheres.

Uma das garotas interrogadas pela polícia e pela Promotoria de Investigações Criminais (PIC), que revela ter participado de, pelo menos, três festas em chácaras, tem duas irmãs que estão na Espanha. De temperamento difícil, respondona e agressiva, a jovem não fala das atividades das irmãs e embora tenha apenas 16 anos, completados em abril, é autoritária até com a própria mãe, obrigando-a a se calar sobre o assunto. “Tem um monte de garotas que foi de Campo Largo para a Espanha e ninguém fala nada. Por que querem então saber da vida das minhas irmãs? Isso só interessa pra gente”, diz ela, como se estivesse bem orientada para não tocar no assunto.

Sigilo

A mãe da menor, uma mulher que aparenta ter 50 anos, cabelos longos (diz que é evangélica), cuida do neto de 3 anos – filho de uma das jovens que está na Espanha – e também zela por um carro cuidadosamente guardado na garagem de casa, pertencente a uma das garotas que está fora do País. Dizendo-se uma pessoa ignorante e sem estudos, ela se mostra firme no propósito de nada revelar sobre as atividades das duas filhas mais velhas – teriam 28 e 22 anos – que foram para a Espanha. “Quem tem que saber da vida das minhas filhas sou eu. Elas são maiores de idade e fazem o que querem. Delas eu não falo”, assegura.

Quanto à filha ainda menor de idade, a mulher não nega sua preocupação. “Queria que ela ficasse mais tempo em casa, mas não consigo segurá-la”, reclama. E sobre às festas com orgias nas chácaras da cidade, a mãe diz não ter tomado conhecimento. “Só fiquei sabendo depois que o escândalo estourou”, garante. No entanto, por algumas vezes ela já tinha procurado o Conselho Tutelar do município, para pedir ajuda e conter a filha menor. A garota diz que não é virgem já há tempos – “muito antes de ir nas festas das chácaras” -; já teria sido atendida no hospital local por embriaguez e, embora garanta que vá à escola (está matriculada na 8.ª série), não demonstra muito entusiasmo com os estudos. Por fim, depois que foi ouvida pela polícia e pela PIC sobre as “festas”, estranhamente procurou um advogado “para se defender”, muito embora não passe de uma vítima de toda a trama.

“Estão dizendo que eu dançava pelada para os caras, que eu transava com eles e coisas assim. Toda a vizinhança fica me olhando como se eu fosse uma criminosa. Quero acabar com isso, pois não devo nada para ninguém”, afirma.

“Nas festas só ia quem queria”

Para o advogado Wilmar Aloísio Pereira dos Santos, com escritório no centro de Campo Largo, não há nada de estranho em defender uma menor que foi ouvida pela polícia, segundo ele, de forma ilegal. Wilmar diz que está trabalhando gratuitamente para a garota que o procurou, para defender o direito dela falar às autoridades apenas o que queira. “Quiseram colocar palavras na boca da menina e isso a deixou revoltada”, diz ele. O mesmo advogado também atende graciosamente aos interesses de outra mulher, tida pela polícia como peça chave do caso das orgias. Trata-se da manicure Elisete Furtado de Paula, 30 anos, mãe de quatro filhos. Elisete, a princípio, foi apontada como a pessoa que estaria aliciando as garotas para as festas nas chácaras.

Sem se preocupar em esconder o rosto ou a identidade, a manicure diz que não tem nada a temer. “Fui acusada injustamente e também quero ver tudo isto esclarecido. Também quiseram me forçar a dizer nomes de envolvidos, mas não fiz isso. Fui duas vezes em uma das chácaras onde faziam as festas. A primeira para conhecer o lugar e na segunda para participar de um aniversário. Nesta segunda vez, vi uma menina em cima da mesa, iniciando um stripe-tease. Tirei a garota de lá, porque a conhecia, mas até me repreenderam, falando que aquilo era normal”, conta a mulher, isentando-se de qualquer culpa.

Quinta-feira

Elisete confirma que as festas aconteciam nas quintas-feiras e era freqüentada por um grande número de meninas. “Elas iam porque queriam. Comiam bem e bebiam bastante. Ninguém as obrigava a entrar. O que faziam lá dentro, só elas e os caras que estavam lá é que sabem. Eu não sei de nada”, afirmou, lembrando que muitas das garotas saíam com os freqüentadores das chácaras mesmo de dia, “para andar nos carrões e se mostrar pela cidade”. “Tem menina que vai lá que já saiu com Campo Largo inteira”, acusa a manicure.

Algumas delas chegavam a dormir nas chácaras, depois das festas. E foi justamente isso que despertou a atenção de algumas mães, que passaram a procurar por Elisete toda vez que as filhas sumiam. “As mães sabiam que as garotas freqüentavam a minha casa e quando elas desapareciam, iam lá, ameaçar, dizer que iam chamar a polícia e eu nem sabia de nada”, explica. Uma destas mães, ao interrogar a filha após uma noitada fora de casa, ficou sabendo das festas e procurou o Conselho Tutelar do município, para denunciar. Os conselheiros também ouviram algumas menores e encaminharam o caso para a Promotoria de Investigações Criminais que passou a diligenciar com a ajuda do Centro de Operações Policiais Especiais (Cope). Daí então, ouvindo as menores, souberam da participação de pessoas influentes no município.

Contestação

Para o advogado Wilmar dos Santos, há de se contestar o que as meninas disseram à polícia. “Creio que tem uma trama política por trás disso. Tentaram forçar as garotas a dizer nomes, inclusive o do juiz”, diz ele, embora ainda não tenha tido acesso aos autos. Ele afirma ainda que, por enquanto, irá acompanhar, em novos depoimentos na Justiça, a menina que o procurou e Elisete, mas que também poderá assessorar outras menores, caso seja procurado por elas.

“Os policiais agiram com truculência, levaram as meninas à força para o Fórum, para serem ouvidas, exigiram nomes de envolvidos e as deixaram atemorizadas. Agora isso não vai mais acontecer”, garante. As duas porém – Elisete e a menor – dizem que não mentiram à polícia e que se forem ouvidas novamente, não mudarão os depoimentos.

Wilmar também demonstrou ser grande admirador do juiz acusado de participar das festas. Mesmo sem ser defensor do magistrado, não se cansou de tecer elogios a André Taques de Macedo, e deu a entender que, com sua entrada no caso, pelo menos suas clientes não serão “forçadas” a dizer o que não querem. “Alertei minhas clientes que, se as pessoas acusadas forem absolvidas, poderão mais tarde retomar o processo e incriminá-las por denunciação caluniosa, pois tiveram seus nomes jogados na lama”, afirmou Wilmar. (MC)

Encontros aconteciam há três anos

As festas com meninas menores de idade, em Campo Largo, já estariam acontecendo há pelo menos três anos, de acordo com denúncias de membros do Movimento Piedade Campo Largo, formado por representantes da comunidade, para exigir que todas as providências sejam tomadas para punir os responsáveis pelas orgias. Não só uma chácara situada próxima ao centro do município seria usada para os encontros que aconteceriam todas as quintas-feiras, mas também outra, existente na localidade de Bugre, já na vizinha Balsa Nova. Esta, de propriedade do dono de uma lanchonete, seria alugada por R$ 200,00 a diária. O caseiro desta chácara confirma que aconteceram ali muitas festas, mas que não viu nada de anormal, além do grande trabalho que tinha no dia seguinte para fazer a limpeza do local. “Agora o patrão está morando aqui, então não tem mais festa. Está mais tranqüilo”, afirmou.

Os representantes do movimento popular temem que o caso, agora investigado por um desembargador do Tribunal de Justiça – por causa da denúncia de envolvimento do juiz André Taques de Macedo, da Comarca – acabe sem que alguém seja punido. Dois vereadores acusados de participarem das festas – o atual e o ex-presidente da Câmara Municipal – dizem que estão sendo vítimas de uma trama política, dada a proximidade das eleições municipais (no ano que vem). Outro vereador, da oposição, teve a casa atingida por tiros, na semana passada, segundo ele por exigir esclarecimentos. E todo o caso tomou proporções políticas que motivaram até a abertura de uma CPI municipal. Quatro empresários – Carlos, Osni, Jorginho e Marcelo – apontados como promotores de algumas das festas, ainda não se manifestaram sobre o assunto.

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