Blitz fecha pensão que funcionava como asilo

Uma pensão clandestina, que na prática funcionava como abrigo para idosos, foi interditada ontem, após uma blitz conjunta do Ministério Público, Polícia Civil, Justiça e órgãos da Prefeitura. O local, na Avenida Iguaçu, 758, parece um pardieiro. A fachada de um antigo casarão escondia um cenário de horror, onde dezenas de pessoas – na maioria, velhos – se amontoavam em quartinhos fétidos, sem ventilação e sem as mínimas condições de higiene.

A dona da pensão, identificada extra-oficialmente como Mara Guschtain, não apareceu no local durante a blitz, que durou a tarde inteira. Mas a polícia deteve um rapaz de 28 anos, filho dela, que é policial militar. A Tribuna apurou o nome dele, que consta em diversos documentos encontrados na casa. Seria Cláudio Augusto Guschtain Justiniano, do 17.º Batalhão da PM. Em um dos quartinhos do casarão havia uma farda e um cinturão de policial militar.

Agressivo

Cláudio reagiu violentamente à chegada das equipes. Ele saiu pela porta dos fundos com uma ripa nas mãos, agrediu um investigador e tentou impedir a entrada dos agentes. O policial foi ferido no pé. Cláudio foi imediatamente algemado e levado para a viatura. De acordo com o delegado Rogério Haisi, do 2.º Distrito (Rebouças), o rapaz seria levado à delegacia, para registro de um Termo Circunstanciado e seria liberado.

O PM se recusou a falar com as equipes de reportagem que acompanhavam a blitz. Para a Tribuna, ele disse que é policial militar há três anos e que está lotado no 17.º Batalhão, em São José dos Pinhais. “Eu não moro aqui, moro em São José. Só ´paro´ aqui de vez em quando”, declarou. Disse também que estava em férias na Bolívia e que havia chegado há cinco dias em Curitiba. “Eu não sei de nada do que está acontecendo aqui e me reservo o direito de ficar em silêncio”, finalizou, negando-se a confirmar se seria filho da dona da pensão clandestina.

Mau cheiro e sujeira

No momento em que as equipes chegaram para a blitz, por volta das 15h30, havia cinco hóspedes no asilo clandestino. Todos idosos, fechados em quartinhos abarrotados de roupas e objetos, com forte cheiro de sujeira, comida e umidade. Mas o local abriga muito mais gente – a reportagem contou 36 quartos, a maioria deles ocupados por pessoas que tinham saído.

Foi a denúncia de familiares de um idoso que morava ali que levou a polícia ao local. Na semana passada, investigadores estiveram no asilo para retirar uma pessoa. A dona da pensão não havia deixado os parentes entrarem para levar o idoso. A denúncia sobre o funcionamento do asilo clandestino foi, então, encaminhada para a Promotoria da Cidadania do Ministério Público, e recebida pela promotora Terezinha Rezende Carula. Na blitz de ontem, além da polícia, Vigilância Sanitária e Fundação de Ação Social, havia um oficial de Justiça com mandado judicial – expedido pela Central de Inquéritos – e dois assistentes da promotoria.

De acordo com o delegado Rogério Haisi, a proprietária será intimada a comparecer no 2.º Distrito, onde deverá ser autuada pelo artigo 132 do Código Penal – expor a saúde e a vida de outrem a perigo. A Vigilância Sanitária interditou a pensão, mas deu um prazo de oito dias para que os moradores se mudem. Funcionários da Fundação de Ação Social da Prefeitura informaram que os velhinhos que não tiverem para onde ir serão levados para abrigos da prefeitura. “Infelizmente existem muitos locais como este no centro da cidade”, disse uma das agentes da FAS, lamentando a condição de vida dos idosos.

Terror

A “pensão” é na verdade um cortiço, que parece cenário de filme de terror. Um sinistro labirinto de portas, corredores e instalações, tudo construído de forma precária. Fiação elétrica aparente, com dezenas de “gatos” (ligações clandestinas), paredes de madeira velha, divisórias, forros e pisos feitos de material de construção usado.

O terreno, de cerca de 900 metros quadrados, abriga o antigo casarão principal e mais três blocos de construções clandestinas nos fundos, onde ficam 23 quartinhos. São peças pequenas e sem banheiro. A entrada do casarão, onde mora a proprietária, é pela cozinha – um espaço infectado, cheio de restos de comida misturados a louça suja. Na casa moram também outras pessoas que não foram localizadas pela blitz.

Ironicamente, o lugar que abrigava idosos em condições subumanas fica a poucas quadras da Praça Ouvidor Pardinho, onde a Prefeitura mantém um centro de saúde e atividades especializado no atendimento à terceira idade.

Gente de sofridas histórias

Sebastião Ferreira Gonçalves, de 88 anos, começava a preparar seu jantar no fogão do quartinho de fundos, às 16h, quando a blitz chegou. Ex-operário de construção civil, aposentado pelo INSS, ele disse que mora na pensão clandestina há “uns vinte anos”. Paga R$ 110,00 por mês pelo quarto. Faz sua comida e lava a própria roupa no local. “Aqui pelo menos é sossegado e quieto. Depois que botaram portão, parou de entrar ladrão. Já tentei morar em outras pensões, mas não deu certo”, contou.

Dona Tecla Pereira, com 70 anos, passa o dia na cama. Gosta de ficar quentinha nas cobertas, assistindo tevê. É viúva de um cabo da PM e vive da pensão -pouco mais de R$ 1 mil por mês. Com esse rendimento, dona Tecla poderia viver em um lugar muito melhor, que oferecesse higiene e condições sadias de moradia. Mas ela acostumou-se a viver no quartinho com o filho Amarildo, de 42 anos, que está desempregado. Ele faz a comida para os dois e ela paga uma moça para lavar a roupa. Só a dela. “Ele (o filho) é que lava as coisas dele, oras”. A idosa paga R$ 480,00 mensalmente para a dona do cortiço e nunca pegou recibo pelo pagamento.

Mesma situação de Claudionor Ferreira, um barbeiro aposentado de 83 anos que vive no local há dez anos e paga R$ 150,00 por mês por um quartinho apertado – sem recibo assinado. Seu Claudionor estava preocupado com a interdição: “Eu paguei a dona Mara nesse sábado, quem é que vai me devolver o dinheiro”, lamentava.

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