Bairro Alto nas mãos de ladrões

Em janeiro deste ano, durante uma operação saneadora, a Promotoria de Investigação Criminal (PIC), juntamente com policiais do Grupo Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gerco), realizou uma "limpeza" no Bairro Alto, retirando de circulação o traficante Marcos Antônio Pierroti, o conhecido "Marcão", e outros doze integrantes de sua quadrilha, formada por homens e mulheres. O que parecia ser um "alívio" para os moradores da região, transformou-se em um drama. A partir da prisão de "Marcão", bandidos de todas as regiões migraram para o Bairro Alto, levando novamente o medo aos moradores. Hoje, muitos estão assustados com o grande número de assaltos ocorridos todos os dias e em qualquer hora. O temor toma conta dos comerciantes e a grita por segurança é geral.

O improvável chegou a acontecer. Parte dos comerciantes e dos moradores ressente-se da ausência de "Marcão", e dizem que a presença dele no bairro dava mais segurança do que a própria polícia. A inversão de valores – aos moldes do que acontece em morros do Rio de Janeiro (guardadas as devidas proporções) – foi constatada pela reportagem da Tribuna, que passou alguns dias cirulando pelo bairro e ouvindo a população.

Entre queixas de falta de calçadas, valeta a céu aberto, e outras tantas, a ausência de policiamento é a mais lembrada pela população. Um comerciante, instalado próximo ao terminal de ônibus, que mantém permanentemente um funcionário na porta da loja para evitar assaltos, assegura: "de certa forma o "Marcão’ nos protegia. Com a prisão dele diminuiu a circulação de drogas, mas a violência aumentou". Nilceu e Mirthes Ribeiro, proprietários de uma loja de roupas, confirmam o perigo e reclamam. "A segurança é uma obrigação do Estado, nós pagamos por isso e não temos meios eficazes de cobrar ou de processar o Estado quando somos lesados. Só dar queixa na delegacia não adianta", fala Nilceu, completando: "é uma completa anarquia você ter que ficar sujeito à proteção de um traficante, como acontecia antes do "Marcão’ ser preso".

Também Aparecido Biló, proprietário de uma farmácia, diz que "a coisa está terrível. Quando havia gangues no local, não tinha assaltos", salienta.

Motoqueiros

O presidente do Conselho de Segurança do Bairro Alto (Conseg), Loir Santos, ainda revela que os roubos praticados por motociclistas são outro caso "sério", e têm aumentado nos últimos 40 dias. Ele disse crer que a polícia também deveria fazer o patrulhamento de moto, para ter tanta agilidade quanto os ladrões. "A população do bairro quadruplicou nos últimos 35 anos, mas a polícia não aumentou o efetivo. Continua o mesmo de há três décadas", diz ele.

Polícia

Quanto aos problemas levantados, o major Roberson, do Regimento de Polícia Montada (RPMont), responsável pelo policiamento ostensivo e preventivo na região, disse que a população está enganada com a falsa sensação de segurança que o traficante "Marcão" dava. Ele explicou que com as grandes operações que aconteceram em locais perigosos da capital, como na Vila Torres e no Parolin, os bandidos migraram para outros bairros em busca de refúgio. Esse seria o provável motivo pelo qual moradores e comerciantes sentiram o aumento no número de assaltos no Bairro Alto.

Já o capitão Rothemburg, do mesmo Regimento, diz que não há necessidade do efetivo aumentar, e sim a colaboração da comunidade com a polícia. Mesmo assim, ele conta que até o final do ano, mais 70 viaturas estarão disponíveis à Polícia Militar, e pelo menos uma delas deverá privilegiar o Bairro Alto. Já o Projeto Povo, não oficialmente lançado na região, já disponibiliza uma viatura e duas motos para o policiamento local.

Sistema falido provoca inversão de valores

Consultado pela Tribuna sobre o que está acontecendo no Bairro Alto, o sociólogo e professor Pedro Bodê, coordenador do Grupo de Estudos da Violência da Universidade Federal do Paraná, ressaltou: "é uma inversão total de valores". Ele indigna-se com o fato de a população sentir-se protegida por um traficante. "Isso é uma falência completa da Justiça, de todo o sistema. A polícia precisa de mudanças estruturais, modernização", diz o professor, que mostra que para isso não são necessários altos investimentos nem aumento do efetivo, apenas mudanças na forma de agir e pensar. Ele ainda opina que o combate à criminalidade deve ser mais forte. "Sociedade sem crime não existe. Porém não é junto à "ponta do fluxo’ que a polícia deve agir. ?É próximo ao grande crime organizado", conclui.

"Avenida do Amor" incomoda

O presidente do Conselho de Segurança (Conseg) no bairro, Loir Santos, afirma que a falta de segurança no bairro aumenta ainda mais à noite, com a concentração do tráfico de drogas e prostituição nas ruas Marcílio Dias, Albino Kaminski e Alberico Flores, esta conhecida como a "Avenida do Amor", devido ao alto número de prostitutas que ocupam os bares do local durante a madrugada. O problema, que atingia principalmente a periferia, está evoluindo para o centro do bairro. Joseli do Nascimento, que mora há 15 anos na região, costumava ficar conversando tarde da noite com amigos no portão de casa. Diz que hoje não sente a mesma tranqüilidade de anos atrás.

Na quadrilha havia policiais

No último dia 19 de janeiro, uma das mais antigas quadrilhas de Curitiba foi desmantelada. Chefiada por Marcos Antônio Pierrotti, 29 anos, o "Marcão", o grupo atuava na região Norte da cidade, em especial no Bairro Alto, onde o traficante movimentava em torno de R$ 10 mil com a venda de 600 a 3 mil pedras de crack diariamente. Outras 12 pessoas foram detidas: Neura Gross, Paulo Jorge Lourenço, Mateus André Borim, Jaqueline Queiroz, Celso Luís Nunes Milas, Maurício Alves de Paula, Gustavo Mello Polenghe, Eliana de Oliveira, Wilson Barbosa de Lima, Luiz Carlos da Silva, Gandhi Pereira Bijari e Aldair Nascimento dos Santos.

Após quatro meses de investigações, ligações telefônicas entre a quadrilha eram monitoradas para se levantar os nomes dos envolvidos. Apurou-se, também, a participação de, pelo menos, três policiais civis e um militar.

No dia da apreensão, a polícia encontrou com a quadrilha 240 pedras já embaladas, prontas para a venda, além de pasta de crack suficiente para a produção de mais 600 pequenos pedaços da droga. Segundo informações, quem iniciou a venda de drogas no bairro foi a mãe do traficante, que cedeu o posto ao filho quando foi presa.

"Pago IPTU de uma valeta"

Um dilema no Bairro Alto é a falta de uma galeria de água em um dos braços do Rio Atuba. Joseli do Nascimento convive com uma valeta em seu quintal e não consegue solução junto à Prefeitura. Além dos entulhos que a chuva traz, o local está infestado de ratos e já serviu de esconderijo de fugitivos da polícia. "Eu pago imposto sobre o terreno todo, ou seja, pago IPTU de uma valeta", reclama Joseli.

Lucinei Gomes de Souza, 26, sofre com o mesmo riacho. Quando chove forte, sua casa inunda e é invadida por ratos. Já solicitou providências, e a última, em 2003, lhe rendeu apenas a redução no IPTU pela depreciação do terreno. A prefeitura informou que se fosse feito o manilhamento, o morador deveria se responsabilizar pelo "estouro" da água e alagamento em locais vizinhos, além de declarar-se sem competência em realizar obras no local, "considerado" de preservação florestal. Por causa desse mesmo riacho, a ponte na Rua Marcílio Dias está prestes a desabar, se a corrosão continuar a alcançar o asfalto.

Obras

Outro fato importante é a falta de calçadas, que obriga pedestres, principalmente crianças que saem das escolas, a conviver com veículos que trafegam em alta velocidade. Os acessos à região também são um incômodo, pois se resumem a apenas duas entradas principais: pela BR-116 e pela Rua Victor Ferreira do Amaral. "Qualquer acidente nesses locais, em certos horários, causam grande transtorno. Algumas obras melhorariam o fluxo de carros", explana Santos.

O bairro também não possui áreas de lazer nem programas de recreação aos jovens por parte do Estado e Prefeitura.

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