Assassina diz que “até gostava” do menino

A cena da faca perfurando o pescoço de Paulo Henrique Rocha, 11 anos, acompanha Vera Lúcia Aparecida de Jesus, 41 anos, presa desde quarta-feira na cadeia de Quatro Barras, Região Metropolitana de Curitiba. A mulher afirmou que não se alimenta nem dorme e que não existe explicação para o crime que cometeu: “Vou ser julgada pelo que fiz, não pelo que me levou à raiva, se bem que não há justificativa”, declarou. “Estou arrependida, mas de nada adianta, porque me coloco no lugar da família do Paulinho”, resumiu.

Vera pediu para seus dois filhos não irem visitá-la e para que a esquecessem, segundo relatou. No primeiro dia que chegou à cela, outras detentas a agrediram com pontapés, mas a situação foi contornada pelo policial de plantão. “Aqui dentro todas têm seus crimes. Ninguém está aqui para julgar”, disse para as mulheres revoltadas na carceragem. Vera espera a remoção para a Penitenciária Feminina de Curitiba.

Ela contou, quase sem alterar o tom de voz, como tudo aconteceu, sem se eximir da culpa. Diz que o período de cerca de um ano e meio, durante o qual viveu com o pai do garoto, foi para ela uma fase de humilhação. Abaixo seguem trechos da entrevista concedida a O Estado. (Na transcrição de suas declarações foram feitos alguns ajustes gramaticais essenciais, mas muitas das expressões e repetições utilizadas pela entrevistada foram mantidas.)

O Estado: O que lhe levou à raiva?

Vera

: Fui sendo muito ofendida e maltratada pela família dele. Fui guardando tudo. E a depressão foi indo, foi indo. Chegou uma hora que eu não segurei mais e tive que estourar. Só que não consegui estourar em cima do filho mais velho dele, que me agredia. Extrapolei na pessoa errada. Extrapolei no pequeno que era o único com quem eu podia. Mas a intenção era usar o menino para me vingar do pai e acabou dando zebra, dando coisa errada na hora. Aquela faca não estava nos planos. Estava nos planos dar um susto no pai, na família inteira do menino, pelo que eles vinham fazendo para mim há muito tempo.

O Estado: Qual o tipo de humilhação que eles faziam você passar?

Vera

: Eu tentava fazer tudo para agradar, mas era diminuída. A família inteira tinha estudo e eu era uma simples diarista e tinha de trabalhar de graça. Eu era humilhada e me sentia rebaixada. Quando ia falar, eles me mandavam ir para o Mobral. Mas não tem justificativa para o que eu fiz.

O Estado: Como essa situação evoluiu?

Vera:

Foram coisinhas pequenininhas que foram passando, passando e eu fui amargando. Eu tentava engolir, mas não engolia. Porque eu achava que não era justo eu fazer as coisas para ajudar, tanto é que eu vendi minha casa e dei o dinheiro para eles. Ajudei no que foi preciso. Eles compraram carro com meu dinheiro e não me devolveram.

O Estado: Como era o relacionamento entre você e Tiago (pai de Paulo)?

Vera:

Ficamos juntos um ano e seis meses. Agora a gente estava namorando. As duas vezes que a gente se separou foi por causa desse menino. A gente se separava e voltava. Eu até gostava do menino, não guardava raiva dele. Só que a família dele continuava com a humilhação. Eu tenho muito problema de depressão e acho que o depressivo tem a mania de maquinar as coisas. Vou maquinando. Eu tento esquecer, mas pode ser uma coisa de duas horas e eu volto a maquinar. Por mais que eu tente segurar, tenho que fazer. É um impulso maior.

O Estado: Você nunca procurou tratamento?

Vera:

Não, nunca. Nem tomei remédio.

O Estado: Nunca teve passagem pela polícia, ou algum histórico de violência?

Vera:

Não. (A filha de Vera contou que há cerca de oito anos a mãe lhe quebrou o braço com um cabo de vassoura, o que motivou a moça a sair de casa para casar.)

O Estado: Como surgiu a faca?

Vera:

Estava em cima da pia. Era faca de uso.

O Estado: Como foi depois de ter esfaqueado a criança?

Vera:

Começou a sangrar e eu estanquei com a rede. Daí eu entrei em pânico. Na hora do pânico, você quer esconder. Eu não enterrei o menino, não sabia o que fazer com o corpo. Eu cobri com uma rede e achei que alguém ia ver e resolvi cobrir com terra. Lá na delegacia, quando eu estava depondo, sabia que quando fossem fazer a vistoria eles iriam achar (o corpo). Então, já falei tudo na delegacia e mostrei onde que estava o corpo. Podia ter fugido, mas resolvi ficar e pagar pelo que fiz.

O Estado: Você brigou com o Paulinho?

Vera:

Não foi isso. Foi doideira. Tinha mentido que era para ele ir lá em casa pegar um presente para a avó. Quando ele chegou, eu disse: “olha, o negócio é o seguinte. Não tem presente para sua vó coisa nenhuma. Eu simplesmente vou ficar com você aqui até teu pai aparecer, porque ele vai ter que me pagar esse dinheiro que ele está me devendo”. Ele começou a gritar e foi na hora do susto que deu o reboliço todo.

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