Após morte de Rafaeli, moradores de Porto Amazonas mudam hábitos

Faltou lugar e sobraram lágrimas na missa de sétimo dia de Rafaeli Ramos de Lima, 20 anos. Moradores da pacata cidade de Porto Amazonas lotaram a paróquia Menino Jesus, na manhã de ontem, vestindo camisetas brancas com o rosto da jovem estampado no peito. Uma semana depois do trágico incidente que causou sua morte, resultado do despreparo de policiais militares, o município, conhecido por ser a “terra da maçã”, está em luto.

Uma hora antes da missa, moradores de Porto Amazonas já chegavam na igreja. Perto das 10h, os pais de Rafaeli – Tereza de Jesus Ramos Lima e Jaciel Machado Lima – chegaram com os outros dois filhos, Rafael, de 25 anos, e Rodrigo, de 22. Com eles estava a avó da menina, Luiza Iria Shile, uma das últimas pessoas a vê-la com vida. Na madrugada em que foi assassinada, Rafaeli seguia para a casa da avó, onde passaria o fim de semana.

Chuniti Kawamura
Igreja lotada para missa
de sétimo dia.

O namorado dela, Diogo Soldi Schuhli, 21, foi à missa acompanhado dos pais e da irmã. Ainda com o curativo no rosto, de onde foi retirada uma bala, ele não quis conversar com a imprensa. Abalado, pediu para não ser incomodado.

A missa contou com homenagens dos amigos e uma salva de palmas. Pessoas em pé e até mesmo do lado de fora da igreja, prestaram sua solidariedade à família da jovem. “A única coisa que temos para dizer é que Deus e os nossos amigos estão nos dando muita força”, disseram Jaciel e Tereza, abraçados, ao deixar a paróquia.

Chuniti Kawamura
Vó Luiza, uma das últimas
a ver a jovem com vida.

Luto

Com cerca de cinco mil habitantes, Porto Amazonas traz os costumes típicos de cidades do interior. Lá, todos se conhecem e até o último sábado, violência parecia ser apenas problema de “cidade grande”. Com o assassinato de Rafaeli, as ruas se esvaziaram. “Antes a gente nem se preocupava com os filhos. Agora toda hora ligo para ver se está tudo bem. Isso está acontecendo com vários pais. Neste sábado teve espetáculo de circo e quando acabou todo mundo foi pra casa. Se fosse antes, os jovens iam ficar conversando na rua. Até o barulho de carros, durante a madrugada, diminuiu”, contou a professora Sandra Mello.

Policiais militares de Porto Amazonas também estão sofrendo com o erro cometido pelos colegas de farda. Os dois PMs que estavam ontem de plantão, na casa que nem sequer possui uma placa identificando que ali é o destacamento da polícia, confessaram que estão sendo hostilizados pelos moradores. “Ninguém nos agride verbalmente, mas percebemos nos olhos das pessoas que elas não confiam mais em nós”, disseram os PMs.

“Era uma menina maravilhosa”

Rafaeli morava com os pais e os irmãos em um sítio, na região de Palmital, em Porto Amazonas. O pai é motorista de caminhão de guindaste e a mãe, dona de casa. No sábado ela costumava ir para a casa dos avós, onde ficava até a segunda-feira. No dia 12, Rafaeli aproveitou para ir ao dentista e foi comprar seu ingresso para o baile de formatura de um grupo de dança gaúcha, que aconteceria à noite, no Centro de Convenções de Porto Amazonas, que fica em frente à praça central da cidade. Assim como ela, os demais jovens moradores estavam ansiosos, pois normalmente em cidade pequena cada festa é um evento especial.

À noite, Rafaeli e cinco primas se reuniram na casa dos avós. Muito vaidosa, mostrou com orgulho o perfume que havia ganho do irmão. Calçou bota, vestiu calça jeans e uma blusinha. Maquiada e de cabelo arrumado, deu uma voltinha. “Vó, como estou?”, disse ela sorrin,do. Está foi a última lembrança que dona Luiza teve da neta.

As seis primas foram juntas ao baile. Rafaeli deu risada, abraçou as primas e se divertiu. Duas delas foram de carro para casa de dona Luiza. Ela foi embora minutos depois com Diogo. Passaram pelo centro e entraram na rodovia, apenas para cruzá-la. Às 4h15 da madrugada, depois que as cinco netas estavam em casa, dona Luíza ouviu os tiros que impediram Rafaeli de voltar. “Tenho 14 netos e minha casa sempre foi uma festa. Ela era uma menina maravilhosa, sempre rindo e brincando…”, finalizou dona Luiza, chorando.

À tarde, protesto

Com faixas pedindo justiça e desculpas aos policiais que não estiveram envolvidos na ocorrência que resultou na morte de Rafaeli, cerca de mil pessoas participaram da carreata e da passeata realizada ontem à tarde – começou às 15h -, para lembrar o trágico incidente. Amigos e parentes da jovem, além de moradores da cidade se reuniram em frente a casa da avó dela. Em carreata eles seguiram até o local do incidente.  Por duas horas, a população rezou por Rafaeli e por justiça.