Amor que vira ódio

Apenas em 2013, 36 mulheres foram mortas pelos companheiros

Qual é o ponto de um relacionamento em que o amor se transforma em ódio e culmina em homicídio? Trinta e seis famílias de mulheres mortas supostamente pelos companheiros em 2013 imaginam respostas para esta pergunta. De acordo com a polícia, os sinais de que o final de um relacionamento pode ser trágico são percebidos em pequenas atitudes da convivência do casal.

Em 2012, 144 mulheres foram assassinadas em Curitiba e Região Metropolitana. O número é 24% maior do que as mortes registradas em 2011, porém já caiu para 106 até o momento, neste ano. Não existe uma estatística precisa sobre a motivação destes crimes, já que a maioria dos casos ainda não foi a julgamento e alguns são um mistério, mas a Tribuna fez um levantamento das principais linhas de investigação apuradas pela Polícia Civil para cada um destes homicídios.

Em pelo menos 19 casos, as mulheres foram mortas por um suposto envolvimento com o tráfico de drogas. Em 13 situações, a polícia já descobriu que as mulheres não eram o alvo dos assassinos, e morreram apenas por estarem junto de maridos ou filhos durante o assassinato deles.

Dez, entre elas Tayná Adriane da Silva, de 14 anos, encontrada morta em Colombo em junho, podem ter sido vítimas de crimes sexuais. Três mulheres morreram envolvidas em brigas e outras cinco foram vítimas de queima de arquivo ou por terem envolvimento com crimes diferentes do tráfico. Uma destas cinco é Tatiane Fernandes Karlson, 20 anos, que morreu ao lado de Jonathan Zyla, 20, em confronto com a Polícia Militar, em Fazenda Rio Grande, em 16 de julho.

Vinte casos tem mais de uma linha de investigação, ou são um completo mistério para a polícia. Algumas destas vítimas não foram identificadas oficialmente no Instituto Médico Legal de Curitiba, o que prejudicou muito o trabalho da polícia em busca do assassino.

O maior número, entretanto, é de mulheres que podem ter sido mortas por companheiros, ex maridos ou namorados. Foram 35 casos em 2013. Os mais recentes são investigados pela Delegacia de Piraquara. Denúncias apontam que Daniele de Fátima Ribeiro, 38 anos, pode ter sido morta pelo marido no dia 16 de dezembro. As investigações também apontam que Rosalina de Souza Campos, 59, foi assassinada pelo ex companheiro no dia 10.

Ainda em dezembro, a policial civil Priscila Costa da Silva, 26 (foto), foi encontrada morta dentro de um carro ao lado do namorado, em São José dos Pinhais. A polícia acredita que ele utilizou a arma dela para matá-la e depois cometeu suicídio.

Sociedade ainda pensa de forma machista

Aliocha Maurício

Para a delegada Paula Brisola (foto), titular da Coordenadoria das Delegacias da Mulher (Codem), apesar dos avanços trazidos com o movimento feminista, os homicídios de mulheres pelos companheiros são reflexo de uma sociedade ainda patriarcal e machista. “Por mais que tenha evoluído a forma de pensar, ainda existe essa visão de que o homem é o responsável por aquela unidade familiar e tem poder de penalizar qualquer coisa que ele considere um desvio de conduta”, explica.

Essa forma de pensar se mantém, em muitos casos, mesmo após o fim do relacionamento. O homem que vê uma mulher como um objeto de sua propriedade não consegue aceitar o fato de que ela não quer mais estar ao lado dele. A delegada lembra que a passionalidade da cultura latina é o que impulsiona a intensidade dos relacionamentos e leva aos extremos. “Se não ficar comigo, não ficará com ninguém” é um exemplo de raciocínio que já levou muitos homens a matar.

O difícil é saber como outra pessoa irá r,eagir a uma traição ou a um rompimento. Brisola explica que a violência extrema nunca acontece de uma hora para outra e que as mulheres devem ficar atentas a pequenos indicativos de agressividade e desrespeito. “O dia a dia torna o relacionamento mais desgastado e a personalidade das pessoas começa a ficar mais evidente. Em geral, a violência começa com um desentendimento, um desrespeito, uma briga, e isso vai acumulando até chegar ao extremo”, conta.

Para evitar que isso aconteça, a polícia recomenda que a mulher notifique qualquer abuso cometido pelo companheiro. A partir desta notificação, toda uma rede vai dar suporte para que esta família consiga recomeçar a vida. Vítima e infrator são encaminhados para atendimento psicológico e as mulheres que optarem pela separação são encaminhadas para trabalho e podem até ficar em abrigos, acompanhadas dos filhos.

A rede de enfrentamento à violência doméstica é composta por centros de referência em assistência social, unidades de saúde e as delegacias da mulher. “Para um relacionamento chegar a este ponto é porque ele está doente. E o Estado tem que dar o suporte para estas famílias enfrentarem esse tipo de desafio”, ressalta a delegada.

Outra dica é manter o limite de igualdade dentro de casa. A função do homem e da mulher no casamento não pode ser imposta por ninguém. Deve ser algo definido em comum acordo. “Não é papel da mulher cozinhar e cuidar dos filhos, a menos que isso seja combinado pelos dois. Cada um tem o seu papel e nenhum é mais importante do que o outro”, lembra Paula.

Mulheres: surra em silêncio

Muito menos do que as trinta e cinco mulheres que podem ter sido mortas pelos companheiros, apenas dois homens foram mortos pelas esposas em 2013. Em 27 de abril, Amilton José Marques de Lima foi assassinado no Hauer. E no dia 4 do mesmo mês, José Arivilton Ferreira foi morto em Pinhais. Nos dois casos, as mulheres estavam cansadas de sofrer tantas agressões e reagiram.

Matando ou morrendo, as mulheres mantém um perfil diferente dos homens com relação à violência doméstica. Muitas são agredidas por longos períodos de tempo e permitem que isso continue ocorrendo porque sofrem de baixa autoestima, são submissas e sentem culpa quando são julgadas pelos maridos, ou então são muito tolerantes. O limite do desrespeito e da agressão, nestes casos, aumenta um pouco mais a cada ato de violência.

Já os homens infratores, segundo a delegada, dificilmente se arrependem. Por mais que não agridam mais as mulheres, continuam achando que estavam certos porque “cumpriram o papel de punir quem errou”. Raciocínio ilógico que o Estado trabalha para mudar com campanhas educacionais e atendimentos psicológicos.

Os que se arrependem são, geralmente, aqueles que chegaram ao extremo no calor da emoção. Não planejaram, mas mataram. Estes, infelizmente, são os que não conseguem enfrentar a punição e a culpa de ter cometido um homicídio e tentam tirar a própria vida, comoi aconteceu com a investigadora Priscila, no início do mês.