A tragédia que envolveu a família de uma adolescente curitibana, ontem, revela uma realidade chocante e levanta muitos questionamentos. Isto porque o ato da jovem não é um comportamento isolado. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) cerca de 3.000 pessoas por dia cometem suicídio no mundo, o que significa que a cada três segundos uma pessoa se mata. E para cada pessoa que consegue se suicidar, 20 ou mais tentam sem sucesso.

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Porém, para os especialistas em saúde mental, a maioria dos mais de 1,1 milhão de suicídios a cada ano poderia ser prevista e evitada. “Precisamos ficar atentos aos sinais que essa pessoa apresenta”, afirma a professora Vera Regina Miranda, mestre em psicologia da infância e da adolescência, que atua na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e na Universidade Positivo.

Ela explica que aquele jovem depressivo, que vive triste, ou mesmo o que tem grandes alternâncias de humor (o chamado transtorno bipolar), precisa de uma atenção especial. Muitas vezes há até a necessidade de ser criada uma rede de apoio para essa pessoa.

Segundo Vera Miranda, os sintomas são um alerta para pais ou responsáveis e devem ser debatidos com os filhos: “Temos que conversar sobre as situações do cotidiano, desde as mais conflitantes até as mais simples. Não podemos criar meninos ou meninas numa redoma de vidro. Eles precisam saber a verdade sobre a vida e seus problemas. Que existem doenças, mortes, desilusões amorosas… Mas quando percebemos que não podemos lidar com a situação devemos buscar ajuda de especialistas – psicólogos e psiquiatras”, orienta.

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Para a professora, o suicídio da estudante cria um momento para falar sobre o tema. “O que será que levou essa jovem a essa situação?, pode ser perguntado para estimulá-los a expor seus valores, suas opiniões. Na sequência, precisamos deixar claro que estamos aqui para dar apoio em qualquer situação”, complementa.

Ela explicou ainda que hoje já existem especialistas que fazem a chamada autópsia psicológica do suicídio (um estudo detalhado da pessoa, revendo sua vida, seus diários, falando com amigos). “O objetivo é entender o que aconteceu, o que poderia ter mudado o curso desta história”, conclui.

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Drama

O fato, que abalou a cidade e remeteu a uma reflexão mais profunda, aconteceu de manhã. A menina, de 14 anos, chegou no colégio portando uma arma. Dizem que pertencia à sua mãe.

Foi vista por amigos, conversando e logo depois refugiou-se no banheiro, onde atirou contra o rosto. O colégio comunicou a família, a polícia e emitiu uma nota oficial, pedindo para que todos respeitassem o momento de tristeza e dor.

Arma em casa é situação de risco

Janaina Monteiro

Ilustração: Bruno M. H. Gogolla

Ter uma arma em casa é estar diante de uma situação de perigo constante, principalmente quando o ambiente é composto por crianças e adolescentes. Para a delegada Aline Manzatto, da Delegacia do Adolescente, em primeiro lugar, os pais que não têm treinamento em tiro não deveriam guardar arma de fogo dentro da residência.

“O dono pensa que está protegido, está em segurança, mas, pelo contrário, acaba sendo muito mais perigoso  caso o filho encontre a arma ou ainda se ele mesmo não sabe usá-la numa situação de assalto. Quem não fez aula de tiro, dificilmente vai conseguir acertar o alvo.”

Mas, caso os pais decidam abrigar uma arma ou tem o controle dela, a delegada faz um alerta. “Toda arma deve ser armazenada num local bastante seguro e, de preferência, com os componentes desmontados. O pente da pistola, por exemplo, deve ficar trancado em lugar desconhecido do filho e com a chave bem, escondida, assim como a munição do revólver deve permanecer fora do alcance dos filhos”, explicou a delegada.

Aline acredita que a melhor maneira de impedir uma tragédia como a de ontem é esclarecer os filhos sobre o uso da arma. Ela acredita que, a partir dos cinco anos de idade a criança já tem consciência das coisas e os pais já podem revelar que guardam arma de fogo e as consequencias de usá-la.

“Eles devem explicar que é proibido pegar a arma porque pode causar acidente fatal. Devem dizer também que só pode ser usada por eles e expor quais as situações”, disse. Aline lembrou que para abrigar uma arma em casa é necessário obter o registro da Polícia Federal.

Suicídio

Para a delegada, situações de suicídio entre adolescentes é resultado de desestrutura familiar. “Normalmente o jovem que se envolve no crime ou comete suicídio tem sérios problemas familiares. Como ele não consegue atenção suficiente de pais e colegas, ele acaba perdendo o sentido da vida, entra em depressão. A última etapa disso tudo é tirar a própria vida”, disse.

Sentimentos contraditórios

Nádia Fontana

“A depressão não é somente uma tristeza. Depressão é o nome que é dado a certos estados de sofrimento psíquico que podem causar transtornos no comportamento, na afetividade e nos relacionamentos sociais e familiares”, explica a psicóloga e professora Lídia Weber, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), coordenadora do Projeto Criança.

Segundo ela, a depressão é sempre um problema difícil para se enfrentar e pode tornar-se ainda mais assustador quando ocorre na adolescência – na chamada “aborrecência”, uma fase da vida por si só repleta de mudanças e de estresse: “Na maioria das vezes os adolescentes não conseguem entender o turbilhão de sentimentos que afloram e nem mesmo conversar sobre a sua depressão porque não encontram um interlocutor que os compreenda”, acrescenta.

Doutora em psicologia, Lídia Weber, num artigo intitulado Depressão na adolescência – assinado em conjunto com o médico Marcus Weber, especialista em psiquiatria e psicoterapia, diz que as dificuldades acadêmicas, problemas de relacionamento com colegas, aumento da irritabilidade e agressão e tentativas de suicídio podem estar associadas com a depressão em adolescentes.

Sobre os chamados transtornos de humor, nos quais está incluída a depressão, a professora afirma que eles fazem parte de um dos grupos de doenças com menor chance de serem diagnosticadas em crianças e adolescentes: “Eles têm dificuldades para expressar o que sentem, os sintomas são diferentes em adultos e adolescentes. Os dados mostram que 7 a 14% das crianças vivenciaram um episódio depressivo sério antes de 15 anos e 20 a 30% de pacientes adultos relataram que seu primeiro episódio depressivo aconteceu antes dos 20 anos”.

Registros oficiais de casos não são confiáveis

Nádia Fontana

A depressão é de difícil diagnóstico em crianças e adolescentes, afirma o psiquiatra Saint-Clair Bahls, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e mestre em psicologia da infância e da adolescência. Ele, que é autor do livro A depressão em crianças e adolescentes, explica que o interesse científico pelo tema só surgiu na década de 70: “Hoje já é considerada comum, debilitante e recorrente, envolvendo um alto grau de morbidade e mortalidade, representando um sério problema de saúde pública em todo o mundo”.

O especialista cita dados que mostram que entre os anos de 1980 e 1990, na Inglaterra e País de Ga,les houve um aumento nas taxas de suicídio de 78% entre jovens de 14 a 24 anos; que o suicídio é a segunda causa de morte entre jovens de 15 a 24 anos, tanto nos EUA quanto na Inglaterra. “E a maioria usa armas de fogo. Por isso, foi feito um grande trabalho para restringir o acesso dos jovens a elas, o que reduziu as ocorrências”, explicou.

E embora o Brasil apresente uma taxa geral de suicídio considerada baixa pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o Ministério da Saúde mantém um programa específico para tratar o problema considerado de saúde pública.

Desde 2006, são realizadas uma série de atividades, em diferentes níveis, buscando o tratamento apropriado das doenças mentais, já que elas se associam ao suicídio.

Documentos do programa do governo, que institui as diretrizes nacionais para prevenção do suicídio, alertam que “os registros oficiais sobre tentativas de suicídio são mais escassos e menos confiáveis do que os de suicídio. Estima-se que o número de tentativas de suicídio supere o número de suicídios em pelo menos dez vezes”.

Com este programa surgiu também o Projeto ConViver, para acolher quem era próximo do falecido e sofre com a culpa, raiva, dor e impotência. É uma organização não governamental, que dá apoio, que ajuda a enfrentar esse luto. Em Curitiba, o projeto funciona em parceria com a Associação Paranaense de Terapia Familiar (41-3338-6117).