A cada 2 meses pelo menos 3 mulheres são mortas por seus companheiros

A cada dois meses pelo menos três mulheres são assassinadas por seus maridos e companheiros em Curitiba e região metropolitana. Os dados se referem aos primeiros 10 meses deste ano. O ciúme e a inconformidade com a separação aparecem como as principais causas dos homicídios. Mas além das mortes, as mulheres também vêm sendo vítimas de outros crimes como agressões físicas e ameaças. Mais de cinco mil inquéritos estão em andamento na delegacia da mulher, em Curitiba.

Segundo a subsecretária Aparecida Gonçalves, da área de Enfrentamento à Violência, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, do governo federal, a violência em todo o País vem atingindo dados alarmantes. Ela citou o caso de Pernambuco. Em 2007, 328 mulheres foram assassinadas e a maioria dos casos foram crimes passionais. Depois do estado nordestino, aparecem Distrito Federal, Rio de Janeiro e São Paulo como campeões em violência. Mas não dá para saber como anda a situação nas demais federações porque não existe um sistema que centralize as informações. Os dados sobre as mortes em Curitiba e região metropolitana, por exemplo, não são oficiais. Foram colhidos das páginas de O Estado. O número de assassinatos pode ser bem maior.

Essa falta de informação acaba dificultando a implantação de políticas para combater o problema. Para resolver isto, Aparecida explica que está sendo criado um sistema nacional de informação que vai contar com o envolvimento de todos os órgãos que atendem as mulheres como hospitais, delegacias, Ministério Público e o juizados. Mas o trabalho ainda dá seus primeiros passos. Nesta fase estão sendo analisados as fichas que já são preenchidas por cada órgão e sendo discutido como aperfeiçoá-las. Só em novembro do ano que vem é que o sistema deve estar estruturado e as pessoas começam a ser treinadas para operá-lo. “Vai ajudar a ter um quadro do problema no Brasil, dará maior visibilidade a violência, possibilitando a criação de novas formas de enfrentar essa situação”, analisa.

Aparecida diz que as mulheres precisam ficar alertas, já que a violência não costuma aparecer de uma hora para outra. Ela diz que está ligada muito a um aspecto cultural, quando os homens acham que têm posse sobre as mulheres. No namoro, já é possível identificar um possível agressor. Eles proíbem as companheiras de sair com amigas e a usar determinados tipos de roupa, aos poucos vão reduzindo o convívio social.

Depois disto, começam as brigas, os xingamentos, costumam dizer que as mulheres são burras, feias, atingindo em cheio a auto-estima. Nesta fase já está aberto o caminho para a violência física. Muitas mulheres ficam aprisionados nesta situação durante muitos anos por sentirem medo ou vergonha. As vítimas devem buscar apoio junto a seus familiares e outros grupos. “É muito difícil a mulher sair desta situação sozinha”, diz Aparecida.

No entanto, ela lembra que as mulheres podem evitar que o problema chegue a este nível. Muitos homens costumam recuar quando se registra um boletim de ocorrência. Isto deve ser feito já quando começam as agressões psicológicas.
Para Aparecida, o problema da violência ainda é grande no Brasil, mas diz que com a Lei Maria da Penha (n.º11.340/2006) as coisas melhoraram. Em todo o País, por exemplo, existem juizados especializados no atendimento à mulher, já são mais de 37. “Para dois anos, a lei vem cumprindo o seu papel”, destaca.

Delegacia trabalha sob pressão

A Delegacia da Mulher em Curitiba tem uma rotina bem movimentada. São registrados por dia entre 20 e 30 boletins de ocorrência (BO). A maioria por ameaça ou agressão física. Segundo a delegada titular, Maria de Fátima Crovador Bittencourt, boa parte das mulheres resolve procurar ajuda depois de anos de sofrimento. Apesar de a Lei Maria da Penha ter criado mecanismos para que as mulheres tenham acesso à Justiça, a situação ainda está bem longe da ideal. Na delegacia, cinco mil inquéritos ainda precisam ser concluídos para serem enviados ao Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. Falta infra-estrutura para dar mais agilidade. Mesmo assim a situação melhorou. Em março, quando Maria de Fátima assumiu a delegacia, havia duas delegadas, hoje são três; havia três escrivães, hoje são cinco. Mas se o volume de trabalho é grande, poderia ainda ser maior, já que há mulheres que preferem ficar apenas no registro do BO, resolvem não representar contra o marido. Nestes casos, elas têm seis meses para mudar de opinião. Além de acusar os maridos pelas agressões, as mulheres que continuam se sentindo ameaçadas podem reivindicar medidas protetivas. O marido, por exemplo, pode ser obrigado a deixar a casa. Quem concede o pedido é o Juizado, o problema é que algumas mulheres precisam esperar até seis meses por uma decisão. Mas a Lei Maria da Penha determina que o julgamento deve ser realizado em no máximo 48 horas. Algumas vítimas voltam à delegacia dizendo que o risco é eminente e a delegacia faz um pedido de urgência. Em alguns casos as mulheres e os filhos são encaminhados para abrigos. A maioria das mulheres procura ajuda depois de anos de sofrimento, mas segundo a delegada, também há aquelas que não deixam em branco o primeiro tapa.

Ponta do iceberg

De 2005 a 2008, o Programa Mulher de Verdade, da Prefeitura de Curitiba registrou 4582 casos. A coordenadora do programa, Hedi Muraro, diz que a violência sexual pode atingir pessoas de todas as idades e ambos os sexos, e por isso tem trabalhos específicos. Se a violência ocorreu nas últimas 72 horas e a vítima tem menos de 12 anos, deve-se procurar o hospital Pequeno Príncipe, que faz o atendimento médico e lá mesmo é feito exame de corpo de delito. Vítimas com mais de 12 anos devem se dirigir ao Hospital de Clínicas e ao Hospital Evangélico. Depois de 72 horas do ocorrido, deve-se procurar um posto de saúde. A porta de entrada dos outros tipo de violência geralmente são as unidades de saúde. A mulher é atendida, recebe cuidados médicos, apoio psicológico e é encaminhada para abrigos, quando necessário. O próprio posto de saúde faz os primeiros encaminhamentos para o juizado em caso de representação contra o agressor. A maioria das mulheres atendidas no Sistema Único de Saúde (SUS) têm entre 30 e 39 anos, possuem união estável e foram vitimizadas dentro da própria casa. Além disto, têm baixa auto-estima e pouca escolaridade. Muitas já sofreram várias agressões. A prefeitura ainda não tem um perfil dos agressores, mas em geral são homens com baixa qualificação profissional. Hedi diz ainda que os números registrados pela prefeitura não representam a realidade. “São apenas a pontinha do iceberg”. Ajuda pode ser pedida no Centro de Referência e Atendimento à Mulher: (41) 3338-1832.

Casos atendidos em Curitiba entre 2005 e 2008

35 % – 1.636 casos de violência sexual

30,4 % – 1.396 casos de violência física

14,8 % – 679 casos de assédio moral

17,6 % – 888 casos de violência psicológica

1,3 %  – 63 casos de negligência ou abandono de pessoas idosas