Viveiros de favelas

Os 32 maiores municípios brasileiros, com mais de 500 mil habitantes, concentram 70% dos domicílios em favelas. A conclusão é de Pesquisa de Informações Básicas Municipais de 2001, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ao que tudo indica, inexistem informações mais atualizadas. Mas, com certeza, o mal que os números de 2001 revelaram não diminuiu, antes aumentou, pois nesse período a construção de casas populares esteve paralisada. Trata-se de pesquisa feita através de indagações às autoridades dos municípios. Assim, muitas das respostas não são muito confiáveis. Detectaram-se casos de favelas que, pelas prefeituras locais, não foram consideradas como tal. E outras distorções comprometem a pesquisa, mesmo que não tenham sido propositais.

Quanto maiores as cidades, mais favelas e mais problemas. Isso se explica porque elas atraem migrações de cidades menores e regiões menos assistidas por serviços públicos, de cultura e recreação. Hoje, até um “shopping center” é motivo para migrações, já para não falar em uma biblioteca, serviços de saúde e escolas.

É milenar o instituto do habeas corpus, que garante o direito de ir, vir e ficar. E nada soa mais democrático do que ele. Esse direito, entretanto, é negado com freqüência no que se refere a ficar, no sentido de ensejar moradia condigna; à oferta de trabalho, de escola, de serviços de saúde e mesmo recreação. Assim, é uma ficção que não impede as migrações que incham as grandes cidades, empurrando para suas periferias os migrantes que não são recebidos com moradias e o que mais é necessário para uma vida decente.

O município turístico de Gramado, na serra gaúcha, tentou proibir o ingresso de migrantes, a menos que provassem ter disponíveis moradias, empregos e o mais que se exige para uma vida decente. Houve veementes protestos. A medida foi tida como discriminatória e contrária ao sagrado direito de ir e vir. Os números, entretanto, mostram que essas migrações são movimentos de largas parcelas da população que acabam trocando localidades menores ou isoladas, onde não se lhes oferecem condições de uma via decente, pela ilusão das grandes cidades, onde só fazem por aumentar os problemas que já têm. Na grande maioria das vezes, essa pobre gente, em busca de melhores condições de vida, o que consegue é piorá-las nas favelas das periferias das grandes cidades. É preciso a difusão espacial do bem-estar social, oferecendo nas cidades menores o máximo de assistência, conforto, segurança e recreação para seus habitantes. Se tal for oferecido, justifica-se dificultar a migração para os grandes centros, a menos que se constate a existência de moradias e a possibilidade de atendimento de outras necessidades indispensáveis para viver.

Entre os países existe o instrumento do passaporte, com ora mais, ora menos exigências para o ingresso de estrangeiros. Num mesmo país, o mínimo que se deve exigir é que ao migrante se ofereça uma moradia decente. Que possa se inserir no conglomerado urbano que escolheu, com os direitos que são garantidos aos seus moradores mais antigos. Exigências nesse sentido não nos parecem antidemocráticas. Pelo contrário, se afiguram a reafirmação da democracia, que deve garantir mais direitos do que os de ir, vir e ficar, em especial quando ficar é morar num precário barraco nas periferias das cidades.

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