Vargas e Zacarias: grilagem e dinheiro nos cofres públicos

É difícil entender que após 49 anos do falecimento de Getúlio Vargas (1883-1954), presidente do Brasil, ele ainda persista no imaginário de muitos indivíduos como referência política. Ora, este homem, que é tido como herói, foi responsável pela grilagem de 25% do território do Estado do Paraná. Vejamos como ocorreu esta arrumação.

Conforme Alcir Lenharo (1986), Getúlio Vargas afirmava que a brasilidade seria conseguida com a interiorização do Brasil: “O verdadeiro sentido da brasilidade é a marcha para o oeste. (…) Caminhamos para a unidade”. Por intermédio de Cassiano Ricardo, no livro Estado Novo e o seu sentido bandeirante, se desejava o direcionamento e a correção da linha da história brasileira para um fim, ou seja, o Estado Novo (1937-1945): “A bandeira de Ricardo ensaia a constituição de um ?Estado em miniatura?, uma projeção de que o Estado Novo visava construir e consolidar. O ?Estado larvar? da bandeira nasce concretamente da necessidade de defesa contra os perigos do inimigo comum que a rondam – os obstáculos naturais da caminhada, os índios rebelados e os negros aquilombados, o jesuíta e o espanhol. Essa luta comum forja uma solidariedade social entre os diversos e integra-os ?numa só alma – obedientes à firme unidade do comando?. A solidariedade e a hierarquização das cores raciais fermentam a democratização ?social e biológica? da comunidade”.

Para Ruy Wachowicz (2002), os intelectuais que davam apoio a Getúlio Vargas refletiam sobre o problema da ocupação da chamada fronteira guarani e criaram o slogan marcha para o oeste. Esta afirmação concentrou toda doutrina ideológica que foi concebida pelos homens que assumiram o poder.

Getúlio Vargas pretendia criar na região de fronteira guarani um território federal, reunir as terras do oeste de Santa Catarina, sudoeste e oeste do Paraná e formar uma unidade da federação. Wachowicz explica que a justificativa para a instalação do Território Federal do Iguaçu “era nacionalizar a chamada fronteira guarani. Mas, na realidade, Getúlio Vargas queria subtrair vastas extensões de terras dos estados do Paraná e Santa Catarina para melhor atender aos interesses oriundos do Rio Grande do Sul. (…) Pelo decreto-lei 5.812, de 1943, o Governo Federal criou vários territórios, entre os quais o Iguaçu”. Lembramos que a sede do Território Federal do Iguaçu, que a princípio seria em Foz do Iguaçu, foi instalada em Laranjeiras por medida de segurança.

A ideologia de Getúlio Vargas descartou os interesses de grupos regionais e priorizou os seus grupos (do Estado do Rio Grande do Sul), manifestação típica do Fascismo. Aliás, esse protecionismo é comum na contemporaneidade da política brasileira.

O nó só foi desfeito quando Getúlio Vargas não estava mais no poder. A grilagem teve seu final por intermédio da Constituinte de 1946. Entre vários deputados que não concordaram com aquela situação, Bento Munhoz da Rocha Neto foi o que teve maior destaque. Porém, Wachowicz diz: “Mesmo liquidado o território federal, instalaram-se na região, como fora previsto, inúmeras imobiliárias, sobretudo de capital gaúcho”.

Se Vargas foi invasor e antiético, o mesmo não se poder afirmar de Zacarias de Góes de Vasconcellos (1815-1877), primeiro presidente da Província do Paraná. Wilson Martins (1999) fala das dificuldades encontradas por Zacarias que tomou posse aos 19 de dezembro de 1853. No início da administração da Província que se inaugurava, arrendou o prédio (esquina da rua das Flores e rua da Carioca) que pertencia a Manoel José da Cunha Bittencourt por cinco anos para ser a sede do governo e secretaria, pela quantia de 720$000 ao ano. “Para a Assembléia Legislativa foi adquirido o prédio inacabado pertencente a Manoel Gonçalves de Morais Roseira, o que acarretou atraso na respectiva instalação por carência de materiais de construção na cidade”.

E quando Zacarias concluiu seus trabalhos (realizados durante um ano e quatro meses) no Paraná, foi aplaudido e reconhecido por todos. Entre tantos méritos de Zacarias, um se sobressaiu: deixou em caixa para o presidente seguinte o saldo líquido de 116:000$ (cento e dezesseis contos de réis), “saldo que, suposto sujeito a algumas despesas que têm de ser pagas, há de restabelecer-se, se não aumentar, com a arrecadação da renda relativa ao tempo que falta para completar-se o exercício corrente”. (Martins, 1999)

Como seria enriquecedor para o País se a maioria dos políticos, na atualidade, se espelhasse em Zacarias e deixasse dinheiro nos cofres públicos e não saldo negativo, seguido muitas vezes de atos de corrupção com desfalques imensuráveis. Zacarias foi o exemplo raro da honestidade política. Getúlio Vargas deve ser repudiado pelas pessoas íntegras por lembrar muitos dos falsos políticos corruptos que estão por aí.

Indicações de leitura: Alcir Lenharo. Sacralização da política. São Paulo: Papirus; Wilson Martins. A invenção do Paraná. Curitiba: Imprensa Oficial do Paraná; Ruy Wachowicz. História do Paraná. Curitiba: Imprensa Oficial do Paraná.

Jorge Antônio de Queiroz e Silva

é professor, pesquisador, historiador e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná (
queirozhistoria@terra.com.br).

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