Urgência da reforma política

Após longo caminho percorrido com obstinação, paciência na absorção das derrotas e intuitiva sabedoria política, um sobrenome comum, Silva, operário metalúrgico, alcançou a Presidência da República, vem galvanizando o respeito da comunidade internacional e restaurou as esperanças dos brasileiros e dos partidos de esquerda de todos os continentes.

Nos legislativos federal e estadual, com mandatos renováveis de quatro em quatro anos, faz muito tempo, desde o advento do regime militar e do AI5, que poucos Silvas chegam ao legislativo, no significado de homens saídos do povo, com vocação para a vida pública, sejam trabalhadores braçais ou intelectuais, como operários, cientistas, professores, jornalistas, juristas, que gostariam de dar sua contribuição à Pátria e à coletividade, mas são impossibilitados por lhes faltar popularidade e prestígio eleitoral, visto não terem acesso aos meios de comunicação (rádio e televisão) ou ao púlpito das igrejas católicas e evangélicas ou não serem bafejados por apoios das máquinas governamentais ou de centrais sindicais e de grandes sindicatos, ou por não aceitarem recursos financeiros, oferecidos pelo poder econômico.

Novamente, o último pleito revelou que é inadequado e anti-democrático o atual sistema de representação proporcional para preencher cargos nas casas de lei. O fenômeno de votos para deputado federal em São Paulo, “meu nome é Enéas” carregou outros quatro deputados, um com 267 sufrágios.

Em praticamente todas as unidades da Federação, o 1.º Suplente de deputado federal ou estadual teve mais votos que um terço dos eleitos, favorecidos pela legenda. Sem demérito para os muitos deles altamente qualificados, que tomaram posse em 1.º/2/2003, é discutível sua representatividade do conjunto da população. Se forem somados em cada Estado os votos dos eleitos e o total dividido pelo quociente eleitoral necessário para eleger um deputado, verificar-se-á que pelo menos 20% do povo está sem delegação no legislativo.

Ademais, no sistema de representação proporcional vigente, os candidatos da mesma chapa se digladiam acintosamente, em autêntica briga de foice no escuro, constituindo fator de quebra de unidade e desagregação partidária.

Pelo fatos expostos, impõe-se urgente reforma política com a adoção de Voto Distrital misto, e o governo assumindo as despesas de campanha, nos moldes do exemplo bem sucedido da Alemanha.

Para o legislativo, o eleitor votaria duas vezes, uma para a lista partidária, elaborada pelas convenções, e outra para o candidato do Distrito. Metade dos deputados eleger-se-ia pelas listas, e a outra pelos Distritos.

Esse sistema obrigaria os filiados à militância nos partidos, que teriam vida interna permanente e não apenas nas vésperas de eleição. A legislação em vigor, que dá presença no rádio e televisão a todas as agremiações, já se insere nesse propósito da eleição pela Lista Partidária, em que a divisão das bancadas seria proporcional aos votos recebidos. Exemplo: um certo partido elegeu cinco deputados federais, que seriam os cinco primeiros pela ordem de nominata. Os demais ficariam como suplentes. Haveria implacável Lei de Fidelidade Partidária, com perda de mandato para quem discrepasse da orientação da grei.

No Distrito, o sistema de eleição seria o majoritário, cada partido lançando seu candidato, havendo 2.º turno se não fosse alcançada maioria absoluta dos votos válidos.

Os gastos de campanha seriam arcados pelo orçamento público, com proibição de dispêndios individuais e de oferecimento de qualquer tipo de favorecimento aos eleitores. A punição aos infratores seria severa, com cassação de registro de candidatura e anulação da diplomação, se ficasse comprovado o descumprimento da lei.

Assim, voltaríamos a ter no Congresso Nacional figuras exponenciais, período de 1946 a 1968, do quilate de Jorge Amado, Josué de Castro, Adauto Lucio Cardoso, José Maria Crispim, Aliomar Baleeiro, Tancredo de Almeida Neves, Ulisses Guimarães, Otávio Mangabeira, Plínio Salgado, San Tiago Dantas, Bilac Pinto, Gustavo Capanema, Plínio Arruda Sampaio, Vieira Lins, Ney Braga, Accioli Filho, Bento Munhoz da Rocha Neto e tantos outros de igual expressão.

Se o presidente Lula da Silva abraçar e liderar essa bandeira da reforma política e torná-la vitoriosa, será imortalizado como o consolidador da real democracia brasileira.

Léo de Almeida Neves é ex-deputado federal, foi diretor do Banco do Brasil e é autor do livro Vivência de Fatos Históricos.

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