Uma nova e moderna Justiça

Senhor ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos: contribua intensamente para seu biógrafo, bem como para os historiadores: trabalhe, lute, radicalize quando necessário, sem perder sua clássica ternura, coloque o “dedo na ferida” quando for preciso, ainda que desagrade alguns privilegiados, enfrente as elites improdutivas e parasitárias e abomine o corporativismo de todas as instituições.

Sendo legítimo representante da tradição humanista do Iluminismo, tal como Beccaria, faça valer a liberdade individual frente ao autoritarismo do Estado leviatã assim como o respeito incondicional à Constituição; concretize as profundas reformas penitenciárias propugnadas por Bentham e em nenhum momento deixe de lutar pelos “substitutivos penais” de Ferri (mais importância tem a família, a escola, a educação e o trabalho que mil reformas penais).

Implante com determinação uma política preventiva do delito, recusando o protagonismo da provecta mentalidade repressiva. Mantenha sob rigoroso controle a propagação da violência nos meios de comunicação.

Combata sem trégua a corrupção na polícia, no Judiciário e nos órgãos públicos em geral, assim como a impunidade. Seja duro contra o crime organizado, mas nunca abandone as garantias do devido processo legal. Use todo serviço de inteligência do Estado, porém, sem destruir a intimidade e a privacidade de inocentes. Nunca o transforme em instrumento do governo.

Unifique operacionalmente a polícia, modifique radicalmente sua mentalidade “reativa” para “pró-ativa”, institucionalizando sem demora a polícia comunitária, e proporcione condições de trabalho para valorizar o policial (melhores salários, auxílio-moradia, etc.).

Exija concursos públicos sérios e insuspeitos assim como boa qualidade no ensino jurídico ministrado no País. Depois do ingresso, incentive a formação técnico-profissional dos juízes, policiais, promotores, defensores públicos, etc., em escolas apropriadas. Determine a realização permanente de cursos de aperfeiçoamento a todos os policiais e indique-os para as demais carreiras jurídicas.

Encoraje o (bom) uso de todas as modernas tecnologias: é chegada a hora de os órgãos da Justiça descobrirem o poder comunicacional e informacional da televisão e da internet. Retire-os da banda dos excluídos. O e-mail, por exemplo, pode e deve substituir dezenas de milhões de ofícios, cartas precatórias e rogatórias.

Apóie firmemente a incansável luta da Defensoria Pública brasileira. Conceda-lhe a sonhada carta de alforria, porque jamais teremos uma Justiça séria e eficiente sem a presença de defensores públicos em todas as comarcas do País. Seja radical na criação de um amplo programa de descriminalização. O caos normativo do País tem que acabar. Conduza todas as reformas penais necessárias, não se esquecendo do binômio eficiência e garantia.

Promova a radical reforma que o Poder Judiciário necessita: democratize o acesso à Justiça, melhore suas condições operacionais, sobretudo da primeira instância, aprofunde as raízes da mediação e da conciliação, supere a retrógrada resistência de São Paulo frente aos juizados criminais e refute todas as propostas autoritárias, tal como a da súmula vinculante, que extermina a liberdade investigativa e científica do juiz (transformando-o num carimbador).

Democratize o processo de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal, ouvindo todas as pertinentes entidades. Revitalize a Corte Suprema. Adote a lista tríplice para a escolha do procurador-geral da República. Custe o que custar, mas implante o tão esperado controle externo no Judiciário e no Ministério Público, exija transparência absoluta em todos os seus atos, especialmente os de investigação dos seus membros, e aniquile o nepotismo.

Toda revolução também é feita com idéias simples. Vincule o início da carreira dos juízes e promotores aos juizados especiais. O problema não é a idade deles, sim, a falta de amadurecimento e de experiência para o exercício de tarefas jurisdicionais mais complexas.

Lute incansavelmente pelo cumprimento de todos os tratados e convenções que o Brasil subscreveu, principalmente os que cuidam dos direitos humanos.

Quem o conhece sabe bem que não irá tentar inventar a roda. Por isso, seja objetivo e direto no que pretende fazer. Com democracia e participação tomam-se decisões. Mas depois use toda a firmeza do cargo para fazê-las efetivas. Dê o mais profundo significado à frase que o presidente Lula lhe endereçou: “Faça o seu gol” (e entre para a História).

Aliás, poucas vezes na nossa história republicana criou-se uma sólida expectativa, sem exageros ou utopias, em torno de uma nova e moderna Justiça. A presença de Márcio Thomaz Bastos no ministério respectivo constitui segura garantia para isso. José Carlos Dias e Miguel Reale Júnior, embora talhados para o cargo, viram seus sonhos rapidamente destroçados. Mas a conjuntura era outra.

Luiz Flávio Gomes

(falecom@luizflaviogomes.com.br). Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito Penal pela USP, co-fundador e ex-presidente do IBCCRIM e coordenador-geral dos cursos Prima-Ielf (cursos ao vivo e via satélite por TV digital para todo País –
www.ielf.com.br).

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