Uma nova constituinte

O Brasil entrou no século XXI com uma Constituição Federal dissociada em muitos aspectos das necessidades e realidade deste início de novo milênio. A razão básica para esse envelhecimento precoce é o extremo detalhismo da Constituição, que engessa o País em paradigmas superados pelo desenvolvimento da tecnologia e pelas novas exigências do mundo globalizado e dos acordos regionais, entre outras circunstâncias. Certamente a atual Constituição Brasileira é inadequada ao Brasil que queremos ter em 2022, quando o País completará duzentos anos de Independência.

A única forma eficaz de alterar essa situação é convocando uma nova constituinte, com critérios planejados e com visão de longo prazo. A proposta que fazemos, em nome do Projeto Brasil 2022 do PNBE, com a expectativa de ter apoio de outras entidades, partidos, associações e da sociedade civil, é que essa constituinte seja exclusiva e convocada para 2005 ou 2006. Precedendo a convocação, deve ser formada uma comissão de notáveis, constitucionalistas de reconhecida capacidade, para elaborar uma proposta básica, a partir dos conceitos fundamentais da atual Lei Magna, ouvindo os vários segmentos sociais e as três instâncias do poder. Para votar a nova Constituição propomos que sejam eleitos 175 constituintes, representando os eleitores, proporcionalmente à população de cada estado, sem a necessária vinculação a partidos. Eles teriam um ano de mandato para cumprir essa tarefa, funcionando em paralelo ao Congresso, e a nova Constituição vigorará a partir de 2008. Essa é a proposta básica, que pode ser aperfeiçoada.

A pauta do governo federal e do Congresso são a demonstração clara que uma nova Constituição é necessária. Os projetos de reforma tributária e previdenciária já foram aprovados na primeira fase, na Câmara dos Deputados. Há projetos no Congresso também para a reforma política (a mãe de todas as reformas), para a reforma da legislação trabalhista, da lei de falências e outros. No total são mais de 600 projetos de mudanças constitucionais.

Cada uma dessas alterações constitucionais envolve sérias dificuldades de aprovação, com votação em dois turnos na Câmara e no Senado e maioria de 3/5 favorável. Na apresentação dos projetos, milhares de emendas ou destaques são propostos, criando novas dificuldades. Além disso, muitas modificações implicam em leis complementares para se tornar aplicáveis e essas novas regras levam tempo para ser votadas – basta ver que muitas das que eram previstas na Constituição de 1988 ainda não existem.

Votada no ambiente que visava compensar os 20 anos de regime militar opressivo e autoritário, num governo caracterizado pelo compadrio e acrescido pelo amplo uso político de recursos públicos, a Constituição de 1988 sofreu todas os vícios da época, tentando criar o máximo de benefícios para os grupos com capacidade de pressão e estabelecendo regras que consolidavam e ampliavam privilégios, ao lado de algumas medidas sociais importantes, porém mal equacionadas, como a chamada previdência rural, na verdade uma iniciativa de seguridade social da maior significação, mas que não cabe nas verbas da Previdência.

A partir daí começaram as reformas para viabilizar a gestão do País, eliminando os sérios entraves ao nosso desenvolvimento. O governo do presidente FHC propôs várias emendas importantes – algumas aprovadas, outras não. O novo governo segue a mesma trilha, ou seja, oposição e situação concordam que a atual lei maior é inadequada em muitos pontos. Constitucionalistas e simples cidadãos também têm, em geral, a mesma opinião. O resultado é que a Constituição de 1988 vai aos poucos se tornando uma colcha de retalhos, além de corresponder à famosa frase de Afonso Arinos: “O Brasil é o único país do mundo em que a constituição é um periódico”. Vamos portanto convocar uma constituinte, para ter uma lei magna simples e eficaz para o Brasil que queremos em 2022.

Mário Ernesto Humberg, consultor e empresário, é o 1.º coordenador-geral do PNBE e autor do livro Ética na Política e na Empresa.

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