Uma metafísica coberta de amapolas

O número de atentados na Colômbia o ano passado foi superior à soma de todos os outros nos demais países do mundo. É o que diz o general James Hill, chefe do Comando Sul dos Estados Unidos. Notícias e fotos das agências internacionais só reforçam sua tese. Diante deste quadro, os americanos pensam em intervenção militar. Se essa fosse a solução, o Afeganistão seria hoje um paraíso. A única novidade depois dos talibãs foi a volta das plantações de ópio. Esses números servem de alerta para o Brasil, porque há um perigo crescente de conflagração, não levado a sério. O País corre o risco de se tornar uma nova Colômbia.

Há um terrorismo no Brasil, alimentado pela crise econômica, que gera miséria. A insatisfação aumenta quando um deputado reajusta seus rendimentos em percentuais muito superiores ao dos trabalhadores assalariados. Os grupos criminosos que agem na periferia das grandes cidades capitalizam tudo isso em torno de uma difusa nova bandeira ideológica. Robert Steele, ex-vice-diretor de inteligência da Fuzilaria Naval dos EUA, toca o dedo na ferida, ao Financial Times. “Temos uma mentalidade ao estilo da guerra fria que hoje não é mais adequada. Os EUA vêem a América Latina como um quintal benigno. Estão enganados. A região é um pesadelo pronto para escalar rumo ao norte, e os americanos não compreendem isso”.

Steele tem o bom senso de alertar que os recursos norte-americanos seriam melhor empregados em um trabalho para conter as crises econômicas. A grande realidade é que o mais mais radical grupo político brasileiro hoje não atenta contra as estruturas da nação. No máximo, como o MST, quer acomodação. E a CUT anda excessivamente cautelosa diante da crise, por temer agravá-la. A desestabilização está hoje nas mãos do crime organizado, com uma estrutura quase política e influências em vários setores da sociedade.

Os guerrilheiros de esquerda dos anos 60 e 70, que justificaram o endurecimento da ditadura, não tiveram uma centelha do poder do crime organizado hoje no Brasil. Fernandinho Beira-Mar é apenas um de seus tentáculos e ainda assim um pesadelo para governantes; organiza e mobiliza em uma escala que Lamarca ou Marighella jamais imaginaram. Estes fugiam enquanto a sociedade dormia tranqüila. Agora, é o contrário. Da cadeia, Beira-Mar comanda suas ações.

A força dos grupos marginais cresce na proporção da incapacidade do Estado de atuar em grotões abandonados das grandes cidades. A cada dia que passa, essas regiões se tornam territórios inimigos. O Exército vai às ruas no Rio. Até quando? Resta ao Estado somente conter o acesso a outras áreas urbanas? É com soldados que se resolvem questões econômicas às quais os próprios soldados estão sujeitos? A solução é levar condições dignas de sobrevivência. Não comida, mas condições para que essas pessoas se sintam dignas, tenham trabalho e consigam comprar a sua própria comida. Se o Estado não conseguir isso, nunca terá a solidariedade dessa gente, que prefere os provedores locais, ainda que envolvidos com o crime.

Os EUA só pioram as coisas ao adotar práticas comerciais draconianas e sufocar a economia de países como o Brasil. O discurso militarista não funciona. Um dia será tarde demais até para chorar. Restará aos sobreviventes sensíveis fazer belos poemas, como Neruda acerca do fascismo na Espanha.

Edilson Pereira

(edilsonpereira@pron.com.br) é editor em O Estado.

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