Uma bomba

É, no mínimo, anacrônico o debate lançado pelo ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, sobre a questão do domínio, pelo Brasil, dos segredos científicos que envolvem a construção de uma bomba atômica. Estávamos todos, assim como o resto do mundo que nos acompanha, envolvidos na guerra contra a fome, bem mais interessante e menos dependente de armamentos letais. O desvio das atenções ou alvos, como numa guerra de verdade, pode produzir resultados imprevistos.

Compreenda-se – e louve-se até – a preocupação do ministro com a higidez bélica das Forças Armadas brasileiras. De fato, o Brasil é um país em paz, sempre preservou a paz, é um defensor da paz, mas, seguindo o velho brocardo latino (si vis pacem para bello – se queres a paz, prepara-te para a guerra), precisa estar preparado, inclusive tecnologicamente. “Você não pode ter Forças Armadas frágeis, assim é melhor não tê-las”, considerou o ministro, aduzindo que “você tem que ter Forças Armadas modernas, de defesa”. Mais: para ele não faz sentido que o Brasil tenha Forças Armadas “que dependem de tecnologia importada para que seus aviões levantem vôo, seus navios naveguem e seus tanques caminhem”.

Melhor seria, entretanto, deixar esse assunto para o ministro competente (no caso, seu colega José Viegas, da Defesa). Com certeza ele, circunspecto como parece ser, não cometeria a deselegância de tocar nesse assunto ainda no aceso dos debates provocados pelo adiamento da licitação da compra de 12 caças em substituição aos já obsoletos Mirage, que deveriam constituir a primeira linha da defesa aérea brasileira. Esses aviões, sim, de acordo com o que se propala, já têm dificuldades para levantar vôo, enquanto se desvenda à nação que o adiamento da compra de nova frota teria constituído apenas ato demagógico do governo, que não desembolsaria um tostão com a compra programada para acontecer a longo prazo.

Depois, há no ar, terra e mar outras prioridades para debate dentro e fora das Forças Armadas. A começar por essa enxurrada de convocações que, à conta da alegada falta de recursos no caixa central do Tesouro, passou o governo a ficar de olho no potencial dos quartéis: o ministro da Educação quer os militares no combate ao analfabetismo; o da Justiça, na guerra contra a prostituição infantil, que traz na esteira o combate às drogas; o ministro dos Transportes convoca o Exército para a obra urgente de reconstrução de estradas sucateadas e superfaturadas, enquanto o ministro dos Esportes quer dispor dos quartéis para atividades desportivas e o secretário da Segurança Alimentar sonha com legiões uniformizadas empenhadas no desenvolvimento do programa Fome Zero.

Ainda está fresca na memória a cena da dispensa em massa, por falta de recursos, dos jovens convocados a servir o Exército Nacional. O fato revelou ao País uma fragilidade orçamentária até aqui não imaginada. Discutir os segredos da bomba atômica num ambiente desses é de uma infelicidade mastodôntica, tendo em vista também o clima de barril de pólvora que vive o mundo. A ciência e a tecnologia poderiam, sim, ser invocadas (e convocadas) para trabalhos mais nobres e consentâneos com o momento atual. O ministro espocou a bomba errada.

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