Trabalho e assistencialismo

Num país como o Brasil, onde imensa parte da população vive numa situação de miséria que se eterniza, excluída dos mais exigíveis direitos sociais, pode parecer indispensável que existam programas assistencialistas que socorram os menos afortunados. Esses programas existiram em todos os governos, em alguns mais amplos, em outros mais limitados e, em todos, insuficientes para suprir as necessidades dos pobres e miseráveis. Acrescente-se a tal situação a cultura da desigualdade absorvida por nossa sociedade, que, por séculos, assiste a miséria de muitos ao lado da fortuna e mesmo ostentação de poucos, sem sentimentos de culpa ou de responsabilidade. Sem a santa indignação. E pode-se dizer que os programas sociais desenvolvidos foram, no mais das vezes, impulsos eleitoreiros camuflados de sentimentos humanitários que mais merecem a qualificação de esmola governamental.

No governo Sarney, o ?slogan? era ?Tudo pelo social? e foi tão desacreditado que um empresário de motéis de Natal, Rio Grande do Norte, num congresso de turismo, encheu a cidade com ?banners? com os dizeres: ?Tudo pelo sexual?.

Admitamos que os programas assistencialistas, como o atual Fome Zero, filho ou neto de outros programas de assistência às famílias pobres iniciados e mal-aplicados em governos passados, sejam uma necessidade indescartável. A realidade, entretanto, é que o mercado de trabalho foi o principal responsável pela redução da desigualdade social no Brasil no período estudado de 1995 a 2004, mesmo havendo queda da renda média do trabalhador nesse período.

O estudo ?Distribuição de Renda no Brasil de 1976 a 2004?, recém-concluído pelo pesquisador Sergei Soares, técnico de planejamento e pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão ligado ao Ministério do Planejamento, conclui que a diminuição da diferença dos rendimentos entre pobres e ricos no Brasil contribuiu com pouco mais de três quartos da queda da desigualdade. O restante veio de programas de transferência de renda não indexados ao salário mínimo, principalmente o Bolsa Família.

Segundo o pesquisador, cujo trabalho não condena o Bolsa Família, apesar de estar entre os programas que contribuíram com um terço no resultado final da queda da desigualdade, ele teve um impacto chave na distribuição de renda desde que foi criado, em outubro de 2003.

?O problema é que, para esse tipo de programa continuar funcionando, depende de recursos. Com os impostos elevados e o orçamento apertado, não será fácil encontrar recursos para continuar a expansão?, diz o pesquisador do Ipea. Somente o Bolsa Família consumiu no ano passado R$ 5,592 bilhões e atendeu a 8,7 milhões de famílias cadastradas. Somados aos recursos dos programas remanescentes, como Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio Gás e Cartão Alimentação, o dispêndio chega a R$ 6,66 bilhões.

Uma das mais interessantes conclusões a que o estudo chega é que a desconcentração dos rendimentos do trabalho e o aumento de salário mínimo foram responsáveis por 78% da queda da desigualdade. Tais dados nos levam a pensar se não seria hora de incentivar a geração de trabalho e melhores salários, mesmo que para isso fosse necessário reduzir e, se possível, acabar o assistencialismo oficial? Não dar peixes, mas ensinar a pescar e fornecer os meios para que todos pesquem.

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