Trabalhar mais

Disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante um jantar de confraternização de fim de ano, na Granja do Torto, em Brasília, que mesmo os que não são do PT “se tornaram companheiros” seus. Na festa, por ordem da primeira dama Marisa Letícia, era proibido falar em política ou em trabalho, mas a desobediência foi do marido-presidente: Lula convocou seus ministros a trabalhar muito mais em 2004. E sem reclamar. “Afinal, este é o governo do Partido dos Trabalhadores.”

O conselho é justo, oportuno e procedente. Até aqui, o governo Lula produziu um monte de discursos, outra montanha de promessas, mas, à desculpa de que faltam recursos (e a ordem inicial, no começo do ano, era trabalhar sem reclamar da falta de dinheiro) pouco se viu, país afora, de coisa realizada. Para variar, o ano termina com novas promessas.

No célebre discurso aos catadores de papel de São Paulo, na terça-feira que passou, Lula chorou diante das câmaras para todo mundo ver. Em cores. E tirando a parte que se avizinha de um populismo sem precedentes, foi – como diria o poeta – belo ver o presidente chorando naquelas circunstâncias. Afinal, “o ser humano é motivado por emoções” e “a gente tem de vir aqui (onde as pessoas se alimentam de restos de comida do lixão) para sentir na pele como vive uma parte do povo brasileiro”. Depois de prometer que o ano próximo será o ano da geração de empregos, prometeu também, no final, que no final do ano próximo, na mesma data, ali estará de novo “para acompanhar as coisas”…

Na emoção do momento, Lula não percebeu que as duas propostas são incongruentes entre si. Cata papel e restos de comida no lixão quem não tem emprego para ganhar a vida com decência e dignidade. Se cumprir a promessa de criar empregos (dez milhões foi a meta estabelecida e repisada durante a campanha eleitoral), a promessa natalina é despicativa. Melhor seria Lula ter pisado fundo e dito que não queria estar ali nunca mais, não pelo menos nas mesmas circunstâncias. E as circunstâncias são exatamente aquelas que motivaram o choro presidencial: um catador de papel manifestando a esperança de que aquele que tinha na mão seria “o último pedaço de melancia (retirado) do lixo que vou comer, porque o Lula foi eleito presidente e vai ajudar a resolver esse problema”.

Bom na fala de improviso, Lula prometeu “transformar o ano que vem no ano em que a gente vai (atenção para o desvio da promessa inicial) envolver a sociedade para discutir a geração de empregos”. Não só a economia vai crescer, como “vamos ter de buscar outras formas de geração de emprego”, acentuou, pois “não tem nada que dê mais orgulho para o ser humano do que ter trabalho”. Nua e crua, a verdade é essa: “ninguém gosta de viver de favores”.

Tudo correto, não fosse o tom de campanha que ainda permeia o discurso presidencial e que, devido à proximidade de outras eleições, com certeza haverá de continuar ano a dentro. Só haverá mais empregos se der início ao prometido “espetáculo do crescimento”, coisa mais ou menos incompatível com o aumento da carga tributária, decretada neste fim de ano até por Medida Provisória. Lula sabe disso e talvez seja por este motivo que acrescenta sempre, no final, a recorrente ressalva de que as coisas “nunca acontecem no tempo e na rapidez que a gente precisa”.

No caso específico dos catadores de papel, desde setembro está em funcionamento uma Comissão Interministerial encarregada de buscar soluções para o problema específico, onde a fome não é zero e se sacia da imundice. Mais de três meses passados, nenhum sinal de trabalho dos companheiros do governo do PT. Esperemos – e os catadores também – que Lula não tenha que chorar, outra vez, no final do próximo ano…

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