Torre de babel: finge-se não compreender…

Convidado para proferir uma das palestras inaugurais do “II Congresso Internacional de Direitos Humanos” (Anhembi/SP – 21 a 26/9/2008), afirmei que preocupa-nos o declínio ou quase falência da palavra. Outrora, se falava e escrevia menos e a compreensão era maior. Hoje, com todas as ferramentas tecnológicas, exaustivamente escrevemos e falamos e a real compreensão é quase nula. Finge-se compreender ou, pior ainda, finge-se não compreender…
Episódio dos livros sagrados retratando a ira divina, conhecido como “torre de babel”, nos mostra que o maior castigo para a humanidade é a incompreensão. A destruição se dará pela incompreensão!

O maior dos humanistas, “in articulo mortis”, perdoou e pediu ao Pai que perdoasse, julgando: “eles não sabem o que fazem…” Dois mil e tantos anos após, não podemos perdoar os violadores de direitos humanos porque eles sabem muito bem o que estão fazendo!

Dia destes nos indagaram se cultores dos direitos humanos eram esquerdistas ou direitistas… (entre outros “istas” das decadentes ideologias políticas reinantes). Traçando um paralelo com o movimento ecumenista, que surgiu para aplanar diferenças religiosas, afirmei que, se buscamos unicamente o equilíbrio, devemos ser “equilibristas”.

Ideal seria que não precisássemos nos reunir para falar de direitos humanos, mas estamos muito aquém do respeito. Bem pensado, reuniões como esta contém uma inescondível e tragicômica situação: seres humanos reunidos para pedir respeito aos próprios seres humanos, para outros seres humanos…

Em nossa quadra histórica, dentro da visão de equilíbrio, a propriedade de todas as coisas ou valores deve conter dose, maior ou menor, de função social, pois não existe direito contra direito! E foi uma semana tempestuosa para as bolsas de valores. Em verdade, lamentavelmente, há um novo deus no universo porque as religiões, famílias e escolas falharam no ensino da ética e dos verdadeiros valores que povoam e enobrecem a alma humana… Há um novo deus! Novos vaticanos com novas concepções, novos pastores, pregadores e confessores, novas igrejas e novos fiéis. Novos céus, purgatórios e novos infernos…

Esse novo deus chama-se dinheiro, num mundo onde tudo está a venda! Os novos vaticanos são as bolsas de valores! As novas concepções e normas não derivam unicamente das leis de mercado (que não é mais aquela natural e até ingênua “mão invisível” de que falavam os economistas da escola clássica – Adam Smith e contemporâneos) agora das selvas ou das guerras, num salve-se quem puder! Novos pastores e pregadores são os operadores das bolsas e os executivos financeiros! Novos confessores são os marqueteiros! Novas igrejas são os bancos e assemelhados! Novo céu é o poder aquisitivo! Purgatório é a expectativa do projeto legal ou ilegal dar certo e, inferno, é quando dá errado com o fogo e o ranger de dentes da falência, da miséria e da prisão! Os novos fiéis? Essa imensurável legião que denominamos consumidores…

Participantes deste congresso, por muitos rotulados como românticos (ou obsoletos) sonhadores, temos ideais nobres e almejamos uma espécie de “bolsa de valores humanos”! Imaginem, se dez por cento (até menos) dos interesses, das atenções, da energia e vigor dos gritos ouvidos dos pregões das bolsas de valores, em todo o mundo, fossem voltados aos valores humanos e sua proteção? Todos ligando para todos, naquelas imagens das bolsas: “estão violando direitos humanos no Paquistão, no Timor Leste, etc… Onde está a ONU?” Ou, “como abriram hoje as ações de Kofi Annan? Em alta? Estáveis? E as de Dalai Lama e do Papa? E as de Bush como estão? Em baixa?

É bom sonhar com um mundo genuinamente humano…

Como presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas, tomo a liberdade de propor, nesta solenidade de abertura, uma moção de recomendação ao governo brasileiro para que assegure, para todos os brasileiros e estrangeiros aqui residentes, ou em trânsito pelo País, o que já está previsto na nossa Constituição Federal e tratados internacionais firmados pelo Brasil, entre outros, o direito humano à privacidade ou da confidencialidade, punindo exemplarmente violações como aquelas das quais foram vítimas recentes o Presidente do STF e um Senador da República Federativa do Brasil (justificando que se isto está a ocorrer nos escalões mais altos, imagine-se com o restante da população. Foi aprovada por aclamação).

Sonhadores, cá estamos, semelhantes na maneira diferente de sermos iguais! Desejo um excelente evento e proveitosas discussões das metas do milênio da ONU…

Elias Mattar Assad é presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas. abrac@abrac.adv.br