Terra da permissão

Jesus, falando de seus algozes, pediu a Deus que os perdoasse porque não sabiam o que estavam fazendo. A infinita bondade e sabedoria do Filho de Deus, por aqui, é interpretada nos crimes do cotidiano como se a complacência divina devesse ser imitada pelos homens, dando-se indulgência plena a crimes dolosos e culposos, desde que os autores sejam privilegiados e as vítimas gente comum, do povo. Vejamos um exemplo, aliás repetição de fato ocorrido no interior do Paraná, há poucas semanas. Uma empresária dirigia sua Mitsubishi Pajero em Jaú, no interior de São Paulo. Era Walterez Regina Venturini, de 51 anos de idade, portanto uma mulher ainda jovem e, certamente, de recursos por sua posição profissional e até pelo veículo que conduzia, que está longe de ser o pé-dois, a bicicleta ou o ônibus dos pobres, maioria dos brasileiros.

A certa altura, a mulher da Pajero bateu num Fusca que manobrava para estacionar; depois da batida, saiu em alta velocidade para fugir às suas responsabilidades e entrou na contramão noutra rua. Ali, atropelou um grupo que saía de uma igreja. Atingiu nada menos de cinco pessoas. Duas delas morreram na hora e outras duas ficaram feridas. Morreram na hora um homem de 77 anos, acompanhado de sua mulher, da mesma idade. Ficaram feridas duas mulheres, de 53 e 71 anos. A polícia só revelou o nome da motorista assassina. Os das vítimas não, pois era gente pobre.

Depois do fatídico múltiplo atropelamento, a empresária fugiu sem prestar socorro às vítimas e bateu em uma árvore, em um Corsa e, finalmente, na parede de um imóvel. Com o impacto, uma árvore caiu sobre um Voyage que estava estacionado e sobre um Gol.

Presa em flagrante, a criminosa e demolidora em série foi liberada mediante o pagamento de fiança e deverá responder ao processo instaurado em liberdade. Não se diz se foi ou não proibida de dirigir enquanto não chegam à conclusão de que é inocente ou apenas responsável por crime culposo, coisa leve e que não dá nenhuma pena séria. Geralmente os condenados por crimes culposos, principalmente os de trânsito, cumprem pena em liberdade. A fiança cobrada da empresária assassina e demolidora foi de míseros R$ 4.500,00, quantia que não seria pouca para um trabalhador de salário mínimo, mas, para uma pessoa rica, uma ninharia para pôr panos quentes sobre a carnificina que causou e os danos que produziu em bens alheios.

Ficamos a pensar que esta madame não está incluída entre os que mereceram o apelo de perdão de Jesus ao Senhor. Mas é da classe de senhores desta terra de impunidade e o fato de terem sido por ela atingidos carros de menor preço e gente pobre, que não merece entre nós o devido apreço, fica tudo por isso mesmo. Mais um fato irrelevante na história da impunidade que no Brasil serve não só para livrar a cara de gente que não respeita a lei nem o próximo, mas dá um péssimo exemplo, ensinando a todos que não existe pecado do lado debaixo do Equador.

Nos países mais adiantados, onde os crimes de trânsito acontecem em menor quantidade, há também a distinção entre crimes dolosos e culposos. Aqueles são os praticados por quem desejava os resultados alcançados. Estes, por negligência, imprudência ou imperícia. Seria crime culposo o da madame Walterez? Uma fiança de R$ 4.500,00 justifica seja posta em liberdade para continuar ameaçando vidas e bens e escapando da polícia? Com certeza não, e prevê-se que ela não será punida ou não pegará pena à altura do mal que causou. E o caso será mais um responsável pelo mal maior: o de nos convencer que esta é a terra da permissão e não da promissão.

Voltar ao topo