Surdo, mas não mudo

O candidato à Presidência da República Ciro Gomes faz-se de surdo e reiteradamente demonstra que não é mudo. Ele tem subido nas pesquisas. Tanto que já ultrapassou o candidato situacionista José Serra e aproxima-se de Luiz Inácio Lula da Silva. Em projeções de um segundo turno de Lula com Ciro, o ex-governador do Ceará aparece como possível vencedor. Impedido de aparecer em programas de televisão antes da data permitida pela legislação eleitoral, o que tentou por diversas vezes, o candidato da Frente Trabalhista falou reiteradas vezes em praça pública, em encontros marcados com representantes de classes, à imprensa e nos programas do PTB e PDT, através de terceiros. Chegou a culpar seus opositores pela proibição. Uma dessas terceiras pessoas chegava a fazer a maliciosa indagação: “O que será que o Ciro tem a dizer que não querem que ele fale? ” A proibição é da lei. “Dura lex, sed lex”. A lei pode ser dura, mas é lei.

Uma característica de Ciro, sempre que tem oportunidade, é bater duro nos seus adversários. Nos de hoje, pois acaricia os de ontem e é extremamente condescendente com seus atuais aliados. Comandantes de sua campanha, como o deputado José Carlos Martinez, presidente nacional do PTB, Emerson Palmieri, 1º secretário nacional do PTB, e seu candidato a vice-presidente, o sindicalista Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, recebem acusações graves e que deveriam, no mínimo, ser levadas em consideração. O primeiro é acusado de envolvimento com PC Farias, de quem recebeu dinheiro. Palmieri é acusado de ter arrecadado dinheiro para a campanha de Cássio Taniguchi, não declarada à Justiça Eleitoral, do que resultou processo contra o prefeito de Curitiba. E Paulinho é apontado como autor de superfaturamento na compra de uma fazenda para a Força Sindical, quando seu presidente, e de ter propriedades suas em nome de laranjas. Ao que tudo indica, na “entourage” de Ciro não faltam suspeitos. E alguns, sob acusações muito graves e com sérios indícios de autoria. No campo político, cerca-se de Antônio Carlos Magalhães e outros líderes políticos, que sempre combateu.

Ciro Gomes é surdo, quando se tratam de acusações ou suspeitas contra seus colaboradores de hoje; sofre de amnésia quando se trata de adversários de ontem que hoje podem beneficiá-lo eleitoralmente e é implacável, quando fala de adversários, mesmo daqueles que até não muito tempo partilhavam com ele da mesma tribuna e das mesmas idéias. Senhor de uma retórica rebuscada e de uma pose de “sabe tudo”, é capaz de dizer muito ou mesmo nada, sempre com frases bem construídas, de efeito, nem sempre de real conteúdo. Até aqui, a tática tem dado certo. Aos amigos, tudo! Aos inimigos, a lei!

E, de lambuja, fortes doses de malícia, para não dizer, maledicência. Esse tipo de comportamento do candidato Ciro Gomes, representante do Nordeste entre os candidatos, até aqui tem tido sucesso, eleitoralmente. E outros candidatos o imitam com procedimentos semelhantes, se bem que sem o mesmo brilho.

Isto transforma esta campanha eleitoral num quadro lamentável de manipulação do eleitorado, que poderá levar a um resultado, em outubro, de todo indesejável.

O que se espera é que o horário gratuito da Justiça Eleitoral e o contraditório que os debates autorizados deverão propiciar desmascarem essa fingida surdez e a política interesseira de aos aliados tudo, mesmo que não o mereçam. O caminho para o poder deve ser escoimado de tanta hipocrisia.

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