Sobre o discurso e a prática

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está próximo de completar dois meses de mandato sem ter conseguido mostrar, ao menos do ponto de vista estritamente econômico, nenhuma diferença significativa em relação ao governo anterior. Deixando de lado as relevantes conquistas que Lula e cúpula do PT obtiveram na arena política nestes 60 dias, o fato é que o governo tem adotado ações administrativas no terreno árido da macroeconomia que ameaçam colocar em risco, em uma perspectiva de longo prazo, o cuidadoso projeto de engenharia política que o presidente da República se empenhou em construir depois da vitória nas urnas, em outubro.

As recentes medidas do governo no plano macroeconômico preocupam não apenas porque são antipáticas, mas sobretudo porque se revelam contraditórias em relação ao programa de governo do candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Tomemos como exemplo o aumento das taxas de juros e dos preços dos combustíveis. O aumento das taxas de juros foi alvo de duríssimas críticas do PT, quando na oposição ao governo Fernando Henrique Cardoso, sob o argumento de que esta medida tem caráter recessivo e especulativo. Por isso, Lula incorporou como meta, em seu programa de governo, combater os juros altos, sob a égide do desenvolvimentismo.

O ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, reconhece a necessidade de reduzir drasticamente os juros. Na prática, porém, escorado na justificativa de que não pode comprometer a estabilidade monetária do País e de que precisa manter a inflação sob controle, a área econômica do governo e o Copom (Conselho de Política Monetária) decidem manter rigorosamente a mesma política de juros adotada por FHC.

No caso do aumento dos combustíveis, idem. O PT fez severas críticas aos exagerados aumentos de combustíveis (quase 70% nos últimos doze meses na Grande Curitiba, contra uma inflação de 15,01%, segundo o ICV/Dieese) no governo FHC, dizendo que, por força do efeito-dominó, estes reajustes afetavam todo o ciclo produtivo e reduziam ainda mais o poder aquisitivo da população. Agora, porém, os brasileiros preparam-se para mais uma alta dos combustíveis – algo em torno de 3,5%, no Paraná.

Há um hiato, porém, entre discurso e prática no Palácio do Planalto. Se não se esperava uma atitude radical nas ações administrativas do governo, até porque isso comprometeria a estabilidade das instituições, esperava-se pelo menos uma postura diferente no trato dessas duas questões. O problema não é conceitual, portanto, o governo está certo em querer manter a economia estável; o problema é instrumental, as ações desenvolvidas pelo governo se revelam incoerentes e de interesse altamente discutível para o conjunto da nação.

Lula, aliás, sempre soube que enfrentaria esse problema. E, sabendo disso, teve lucidez suficiente para advertir a nação de que o primeiro ano do seu governo seria mesmo difícil para todos. Por que, então, seu governo não pensou ações alternativas e eficazes para resolvê-los? Agindo assim, adotam a prática definida por Bernard Manin como a “democracia de público”, na qual o locus das campanhas eleitorais se situam muito mais nas telas de TV que nos palanques eleitorais e, sobretudo, na realidade. Não é o que se espera de um governo eleito com a sólida base de apoio popular conquistada pelo presidente da República depois de 27 de outubro.

Aurélio Munhoz

é editor-adjunto de Política em O Estado e mestrando em Sociologia Política pela UFPR.

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