Sobre governantes e sindicalistas

Há duas semanas, durante entrevista à Folha de S. Paulo, o sociólogo Francisco de Oliveira apresentou uma explicação bastante convincente sobre o comportamento conservador que vem sendo adotado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Um dos principais ideólogos do PT, Oliveira considerou que a elite do sindicalismo nacional e a cúpula do Partido dos Trabalhadores passaram a se constituir em uma nova classe social a partir do momento em que assumiram posições administrativas nos Conselhos de Administração de algumas das principais instituições de crédito e fomento para o desenvolvimento nacional: o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e os fundos de pensão das estatais.

Nesta condição, este grupo passou a defender interesses corporativos e, ao mesmo tempo, a adotar uma postura ambígua em relação à sociedade de um lado, o governo age no interesse dos trabalhadores; do outro, trabalha claramente para fortalecer os fundos de Previdência formados com recursos das estatais. “Eles estão defendendo interesses que são legítimos do ponto de vista deles. Você vai ver o sujeito votando no Conselho do BNDES por um investimento que vai desempregar também”, comentou Oliveira em seu texto, chamado apropriadamente de O Ornitorrinco, uma referência ao mais ambíguo dos animais, que é mamífero e ovíparo ao mesmo tempo.

Reforçando sua tese, o sociólogo considera que a ala sindical ligada a esses grupos (aliada dos petistas de origem predominantemente política) se fortaleceu no PT na mesma medida em que outros setores antes expressivos no partido, como a ala originária da Igreja Católica, se enfraqueceram. Uma vez fortalecido, e já investido do poder garantido pela vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, esse grupo acabou se tornando uma das forças políticas mais poderosas de todo o País.

Estas considerações iniciais, que partiram de um dos mais notórios intelectuais petistas, soam bastante oportunas no momento em que os sindicatos de trabalhadores de todo o País discutem a unificação das campanhas salariais. Defendida tanto pela CUT (Central Única dos Trabalhadores) como pela Força Sindical, a unificação tem enfrentado um mesmo e surpreendente problema: a dificuldade de se conseguir avanços significativos com as instituições públicas.

Citemos apenas um exemplo: a Caixa Econômica Federal. Os bancários enfrentam uma longa e cansativa negociação com a direção do banco, indicada com o aval do ministro do Trabalho, o ex-sindicalista Jacques Wagner. O índice de reajuste reivindicado pelos bancários foi de 23,90%. A CEF ofereceu apenas 5%. Os trabalhadores pediram ainda uma participação nos lucros e resultados equivalente a 25% dos lucros líquido dos bancos – que, no caso da CEF, foi de mais de R$ 1 bilhão em 2002. Não foram atendidos.

Naturalmente, não se poderia imaginar que os trabalhadores conseguiriam todos os benefícios que estão reivindicando. Nem a CEF teria condições financeiras de atendê-los. O que se cobra, porém, é coerência do governo federal. Não se pode adotar um discurso quando sindicalista e outro quando governante. É uma questão sobre a qual o governo Lula deveria refletir com seriedade, a partir de agora.

Aurélio Munhoz é editor-adjunto de Política de O Estado e mestrando em Sociologia Política pela UFPR.

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