Sobre geladeiras e consumidores ou como a educação pode andar para trás

Sempre que trabalho com meus alunos sobre as mudanças ocorridas no mercado ao longo da segunda metade do séc. XX e as conseqüências para as estratégias de marketing das empresas, faço uso, por meio de abstração, do exemplo da geladeira.

Sendo um produto de extrema importância para a melhoria de vida das pessoas, ao ser lançada no mercado obteve grande sucesso. Afinal, a demanda era imensa e a oferta muito pequena. Com isso, um provável primeiro fabricante não precisou se preocupar muito com a qualidade do produto, afinal sua única função era conservar alimentos, e os consumidores não tinham opção. Até o dia em que outro empresário, percebendo o sucesso do produto, resolveu fabricar também, inaugurando a concorrência no setor. A partir daí as coisas mudaram: os consumidores passaram a ter mais opções e as empresas passaram a precisar diferenciar uma geladeira da outra.

Graças aos avanços da tecnologia, a geladeira ganhou diversos formatos e tamanhos, ganhou um refrigerador na parte superior e as divisões internas se desenvolveram. Tudo baseado em características físicas do produto oriundas do uso de pesquisa e desenvolvimento tecnológico.

Eis que um dia, um empresário com visão de mercado notou que a grande maioria das casas de uma determinada classe de consumidores já possuía geladeira e que as vendas tendiam a se estabilizar e cair. Além disso, a utilização de novas tecnologias não surtiam o efeito anterior, tendo em vista que cada vez mais rapidamente eram copiadas pela concorrência. Observando o estilo de vida dessas pessoas, esse empresário notou que imperava a organização familiar baseada nas mulheres como administradoras do lar. Como tal, essas consumidoras buscavam prestígio social baseadas na percepção que as pessoas tinham sobre sua casa. Era a época da ?rainha do lar?.

Com base nessa análise de mercado, o referido empresário resolveu inovar sem usar tecnologia. Resolveu inovar trabalhando a mente de suas consumidoras. Para tanto fez algo muito simples: passou a pintar de diversas cores as geladeiras que até então eram brancas. Grande revolução! Como?

A geladeira que até tinha a função única de conservar alimentos passa a ser algo mais para aquelas consumidoras: um objeto de decoração que poderia deixar sua casa mais bonita e seu prestígio como dona de casa em alta.

Ao longo do tempo as famílias e as mulheres mudaram e a sociedade mudou. Até mesmo as geladeiras mudaram ao longo do tempo. Algo no entanto permanece: utilizar-se do marketing é, por meio do estudo do comportamento do consumidor, oferecer produtos e serviços com mais valor percebido. A tecnologia passa então a ser uma ferramenta para esse processo, mas só consegue gerar valor se o consumidor percebê-la assim. Portanto, para que as estratégias de valorização de produtos, serviços e marcas dêem resultado temos que atingir diretamente os sentidos e as percepções dos consumidores.

Chegamos então à educação e em como o uso exacerbado da tecnologia como fonte de valor pode ser um retrocesso na história do desenvolvimento das estratégias de marketing. Ela tem como papel fundamental atingir diretamente a mente dos alunos, instigando processos de reflexão que forjem novas consciências e modifiquem a percepção deles.

O advento das chamadas ?tecnologias pedagógicas?, tais como internet, portais, apresentações em PowerPoint, data show, entre outras, pode colocar uma nuvem de fumaça nessa questão, e fazer com que gestores educacionais e professores passem a acreditar que a possibilidade de criação de valor e de diferenciais esteja nessa tecnologia. O exemplo da geladeira nos mostra que o caminho é outro: da tecnologia para os ?corações e mentes?, e não o inverso.

Mas se nossas escolas podem, em alguns casos, estar na contramão do processo de marketing, nosso público-alvo sabiamente altera sua demanda. Matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo e divulgada pelo Clipping Educacional Editau de 18/09/2006 (http://www. clippingeducacional.com.br) apresenta o resultado de uma pesquisa que mostra um aumento significativo de jovens que se interessam em ter aulas de ética.

Essa notícia é representativa do que aqui defendemos, ou seja, nossos alunos querem sobretudo investimentos em seus ?corações e mentes?. A tecnologia é apenas um meio para facilitar as questões práticas da vida.

Ricardo Pimentel é Consultor de marketing educacional e professor da FAE Business School/UNIFAE e da Faculdade OPET – pimentel.ric@uol.com.br; http://ricardo.pimentel.zip.net).

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