Só para fiscalizar?

No princípio, era provisória e só para socorrer a Saúde. Criou-se o clima, pesaram-se prós e contras, e a nação admitiu o “imposto do cheque”. O governo viu que era bom e tratou de prorrogar sua vigência. Sofreu alguns percalços na Justiça, mudou o nome do tributo, e emplacou de novo. Já não mais a Saúde era o objetivo, mas também a pobreza nacional. Agora os recursos da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira – CPMF, tidos como irrenunciáveis, fazem o governo coçar a cabeça: prorrogar outra vez seria desmoralizante; que tal falar a verdade?

Assim, aquilo que os cidadãos temiam está com jeito de acontecer. A crônica planaltina informa que a CPMF vai acabar sendo permanente ou definitiva, apesar de todos – empresários, trabalhadores e especuladores – concordarem que ela incide em cascata, e repetidas vezes, sobre todas as fases da produção, e de representar um bis in idem no matagal encipoado de nossa estrutura tributária tupiniquim. Para amenizar as críticas que inevitavelmente virão assim que a proposta for oficializada, arautos do governo já se antecipam: uma CPMF definitiva teria o objetivo de servir apenas como instrumento de fiscalização, isto é, com uma alíquota próxima de zero. Quem acredita?

Difícil será imaginar o governo resistindo à tentação de lançar mão da alteração de alíquotas em caso de necessidade – e isso é sempre necessário – de aumentar a arrecadação ou de encontrar recursos para tapar algum buraco. Faz isso até com o Imposto de Renda das pessoas físicas, ao “esquecer” de corrigir as tabelas de dedução e rebaixar o percentual máximo de contribuição prevista em lei. Embora o ministro Antônio Palocci, da Fazenda, afirme que o que se pretende é uma reforma tributária voltada para a sociedade, e não para o governo, sabe-se do que são capazes os governos em nome da sociedade…

Mas não é só isso. No mesmo balão de ensaio da CPMF definitiva “só para fiscalizar”, vem embutido o contraditório: e uma CPMF com alíquota mais alta, para valer, consolidando o sonho originário da tese de um imposto único? Essa velha idéia foi, aliás, a que deu origem ao “imposto do cheque” só para socorrer a Saúde Pública. Não como imposto único, mas como mais um, no meio de tantos já existentes.

Os defensores das duas idéias extremadas se debatem nos grupos temáticos do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CDES, nomeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para dar-lhe assessoria pessoal. As duas propostas não são novas, mas a nova instância está se demonstrando eficiente na geração de fatos e idéias, muitas delas preocupantes, como a da cobrança previdenciária patronal exclusivamente sobre a receita bruta das empresas.

O momento é inquietante, pois segundo anunciam fontes do governo, o Planalto vai fazer acontecer não só a reforma tributária, mas também a previdenciária e a trabalhista, entre outras. É lamentável verificar que, apesar disso, o Congresso Nacional está outra vez envolvido em suas próprias mazelas, sem tempo para assumir o papel que lhe cabe constitucionalmente.

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