SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO – Por que o pagamento das prestações não amortizam o saldo devedor? (III)

Em abordagens anteriores sobre esta matéria, nos posicionamos no sentido de que a nossa legislação determina seja priorizada a amortização do saldo devedor, sendo também vedada a capitalização de juros (juros sobre juros), e que os agentes financeiros têm como prática unânime em desrespeitar esta regra.

Esta matéria pode ser encarada pelo Judiciário, no mínimo sob dois aspectos.

a) O Sistema de Financiamento da Habitação, como por exemplo, a Tabela Price, Gradiente, etc, têm neles embutidas a capitalização de juros.

b) Aferição da ausência de efetiva amortização mensal do saldo devedor, conforme determina norma legal, em percentual mensal suficiente para, ao final do contrato, o saldo devedor restar quitado.

Se a discussão partir para o debate de que no sistema de financiamento está embutida a capitalização de juros, a questão se torna bastante complexa, até porque nem mesmo os matemáticos neste aspecto chegam a uma conclusão unânime, ficando por isso complicada a posição a ser adotada pelo julgador sobre matéria que nem mesmo os peritos daquele ramo da ciência conseguem unanimidade.

Além disso, conforme informa parte da doutrina matemática sobre a matéria, no sistema Price está embutida a capitalização de juros, a qual estaria admitida pelo seu autor (NOGUEIRA, José Jorge Merchiatti. Tabela Price: Da Prova Documental e Precisa Elucidativa de Seu Anatocismo, Campinas, São Paulo, Servanda Editora, 2002).

Diante deste quadro, onde a matemática, deixa de informar resultado único, perde sua qualidade de ciência exata (neste aspecto), autorizando o intérprete do direito livre à sua convicção, desde que motivadamente.

Cremos, portanto, que a melhor forma de serem os pedidos realizados seja a utilização de requerimento para que se respeite as normas legais, priorizando-se sempre a amortização do saldo devedor, ao invés de entrar-se nesta infindável discussão quanto estar ou não no sistema contratado ocorrendo a aplicação de juros compostos.

Sobre esta questão o Poder Judiciário vem entendendo que nas hipóteses em que o valor da prestação não for suficiente para pagar todos os encargos e amortizar o saldo devedor, este deve ser priorizado sempre, devendo a importância faltante para pagamento dos juros não retornar para o saldo devedor, mas sim ser lançada em outra conta paralela, na qual não mais incidirá juros.

A respeito desta matéria vejamos algumas decisões:

“O SFH garante ao mutuário que todo encargo mensal (prestação) deve pagar a amortização prevista no contrato, segundo a Tabela Price, sendo o restante imputado ao pagamento de juros. Eventuais juros não pagos devem ser destinados à conta em separado, sobre a qual somente incidirá correção monetária, para evitar a capitalização. Deste modo estar-se-á garantindo a aplicação do art. 6.º, “c”, da Lei n.º 4.380/64, bem como do art. 4.º, do Decreto n.º 22.626/33 e da Súmula 121, do STF.”. (TRF, 4.ª Região, Rel. juiz Joel Ilan Paciornik, Ap. Civ. N.º 2002.04.01.008016-5/PR, j. 24.10.2002, DJU de 20.11.2002, p. 431).

“Haverá capitalização nos contratos de financiamento do SFH quando ocorrer a chamada amortização negativa. Neste caso, se os juros que deixem de ser pagos forem somados ao saldo devedor, haverá anatocismo.” (TRF, 4.ª Região, Rel. juiz João Pedro Gebran Neto, Ap. Civ. N.º 2001.70.00.003973-7/PR, j. 02.05.2002).

Diante deste quadro cremos que a melhor forma de aferir o direito do mutuário, seja verificar no histórico do saldo devedor a existência de amortização negativa, e quando houver, pleitear a priorização da amortização do saldo devedor, em atendimento ao disposto nas normas legais atrás citadas.

Quanto ao remanescente (faltante para quitação dos encargos contratados), deve-se deslocar para conta em separado, sobre a qual não mais incida juros, em atendimento ao teor da Súmula 121 do E. STF (É vetada a capitalização de juros, ainda que expressamente contratados), ficando resolvida esta questão, sem adentrar em maiores estudos matemáticos, cuja matéria nem mesmo os especialistas até o momento não deixam de discordar entre si.

Feitas estas observações, conclui-se que todos os meses em que não houver amortização do saldo devedor no percentual necessário à quitação do contrato no prazo pactuado, e mais visualmente, quando houver amortização negativa, há ilegalidade na forma utilizada pelos agentes financeiros para calcularem o saldo devedor, porque deixam de amortizar a dívida em benefício da cobrança dos juros.

A ação a ser proposta deve atender aos termos e peculiaridades de cada contrato, onde, v.g., quando dito instrumento dar-se preferência no pagamento dos juros em detrimento da amortização, há que se requerer a nulidade desta cláusula, com conseqüente revisão dos cálculos do saldo devedor, enquanto no caso de não haver esta cláusula, a ação não é de revisão do contrato, mais sim do recálculo da dívida.

Assim, concluímos que toda vez em que houver pagamento da prestação e não houver a correspondente amortização do saldo devedor, estará o agente financeiro cobrando importâncias sem embasamento legal, cujo procedimento o Poder Judiciário deve rejeitar, como vem fazendo.

Vicente Paula Santos

é advogado de empresas em Curitiba/PR, membro do Instituto dos Advogados do Paraná. Sugestões e-mail:
vps@jurídicoempresarial.com.br

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