Sistema Financeiro da Habitação – Por que o pagamento das prestações não amortiza o saldo devedor? (II)

Conforme já abordamos em artigo publicado nesta coluna, os agentes financeiros, nos contratos regidos pelas regras do Sistema Financeiro da Habitação, relativamente ao valor pago a título de prestação, priorizam a quitação dos juros, para somente após, quando sobrar numerário, amortizarem o saldo devedor.

Nas hipóteses em que o valor da prestação é insuficiente para pagamento dos juros e da amortização do saldo devedor, além de outros encargos, os agentes financeiros acrescentam a importância faltante no saldo devedor, cujo procedimento implica na elevação da dívida, mesmo quando as prestações são pagas regularmente.

Também sobre o novo valor do saldo devedor, com o aumento da importância faltante para pagamento total do encargo mensal da prestação, são aplicados os juros do contrato no mês subseqüente.

Portanto, nesse caso nenhuma importância paga a título de prestação é destinada à amortização do saldo devedor, o que implica na sua mensal e gradual elevação.

Esse procedimento acarreta ao menos em duas ilegalidades.

A primeira diz respeito às disposições expressas de normas legais, segundos as quais, “ao menos em parte do financiamento, ou do preço a ser pago, seja amortizada em prestações mensais e sucessivas, de igual valor, antes do reajustamento, que incluem amortizações e juros” (art. 6.º, letra “c”, da Lei n.º 4.380/64); e, “Define-se como encargo mensal, para efeitos desta lei, o total pago, mensalmente, pelo beneficiário do financiamento habitacional e compreendendo cada parcela de amortização e juros, destinada ao resgate do financiamento concedido…” (Lei n.º 8.692/93, art. 10, § 1.º).

Portanto, as normas determinam a amortização do saldo devedor, importando em dizer que esta previsão implica na exigência de que o saldo devedor “sempre” deve sofrer amortização, sendo ilegal a sua elevação quando as prestações são pagas mensalmente, ainda que em atraso.

A segunda está relacionada na proibição de incidência dos chamados juros sobre juros, cuja matéria inclusive está sumulada pelo egrégio Supremo Tribunal Federal, verbis: “É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”.

Na matéria ora em análise, conforme já dito, o valor faltante para pagamento dos encargos totais da prestação é adicionado no saldo devedor, onde sobre ele incide juros, o que implica em capitalização de juros, procedimento esse que é vedado.

A posição no egrégio Tribunal Regional Federal da 4.ª Região é pacífica: “A cobrança de juros sobre juros advinda da amortização negativa é vedada no ordenamento jurídico, caracterizando a prática de anatocismo”. (Rel. Dês. Fed. Maria de Fátima Freitas Labarrére, DJU de 25.04.2001, p. 805).

Conforme vimos, o procedimento adotado pelas instituições financeiras para correção do saldo devedor quando há a chamada amortização negativa implica em vício de procedimento, ainda que, para tanto, haja previsão contratual.

Essa conduta enseja no reconhecimento de vício do contrato, que sob diversos aspectos deve ser declarado nulo e interpretado pelo julgador de forma a prevalecer a Justiça.

Para enumerar alguns motivos à declaração de nulidade do contrato, por restar contaminado de vício, podemos citar, dentre outros, os seguintes:

a) Falta de termo final. Isso ocorre quando se efetiva a chamada amortização negativa (o saldo devedor aumenta ao invés de diminuir), tornando-se com isso por tempo indeterminado, apesar de contratualmente haver previsão para seu término. Dito procedimento fere princípios gerais dos contratos que proíbem os contratos por tempo indeterminado.

b) Contrato de adesão. Nos contratos de adesões as cláusulas que impliquem em prejuízos ao aderente devem ser consideradas nulas. Inclusive essa matéria foi objeto de tratamento pelo novo Código Civil, dando maior proteção a quem adere às normas do instrumento contratual, conforme se depreende do disposto nos art. 423

c) Má-fé do agente financeiro. Verifica-se em muitos contratos que o agente financeiro age de má-fé ao firmar o contrato, porquanto, já na primeira ou nas primeiras prestações o valor calculado (pelo agente financeiro) não é suficiente para pagar os encargos totais, aí incluída a amortização do saldo devedor.

Grosso modo, são principalmente essas circunstâncias que diretamente contribuem para elevação do saldo devedor, mesmo quando as prestações são pagas mensalmente.

Referidos procedimentos implicam em vício no contrato, autorizando o Poder Judiciário intervir, dando a interpretação que lhe parecer mais justa, que é o que vem fazendo ao determinar que do valor da prestação seja priorizada a amortização do saldo devedor, cuja sistemática abordaremos em matéria seguinte, neste mesmo Caderno.

Vicente Paula Santos

é advogado de empresas em Curitiba/PR, membro do Instituto dos Advogados do Paraná.
vps@juridicoempresarial.com.br

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