Sistema financeiro da habitação – O risco dos depósitos judiciais

Dois pensamentos são corriqueiros para os mutuários de contratos regidos sob as regras do sistema financeiro da habitação: primeiro, que os valores exigidos são superiores ao que entende devido; e, em segundo lugar, que em face do valor pago, o saldo devedor deveria ser liquidado em prazo inferior ao pactuado.

Na primeira situação, normalmente o mutuário recorre ao Poder Judiciário para efetuar o pagamento das prestações, depositando em Juízo o valor que entende devido.

Na segunda hipótese, é comum se pleitear ou o depósito judicial dos valores das prestações, ou a suspensão total do pagamento, sob o fundamento de já ter sido cumprido o contrato.

Quase sempre tais pedidos são instruídos com cálculos realizados por contadores escolhidos pelos mutuários, indicando o valor da prestação tido como correto. Ocorre que tais cálculos, muitas vezes, ou são manipulados para aparentarem valor inferior, ou por ignorância do profissional ficam até mesmo muito distante do valor real.

Mas há um risco: por vezes, o Juiz pode deferir a consignação, mas ao final, embora o julgamento seja de procedência parcial, apura-se que o valor devido é superior ao valor depositado, embora inferior ao valor exigido pela instituição financeira. Nesse caso, o mutuário terá de arcar com todos os encargos em relação à diferença constatada, isso porque esteve em mora durante a discussão judicial em relação àquele valor. A provável conseqüência é a impossibilidade do mutuário efetuar o pagamento desses encargos.

Para melhor compreensão: suponhamos que o mutuário esteja pagando prestação no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais) e oferte, segundo seu entendimento, a importância de R$ 100,00 (cem reais); a sentença, embasada em perícia judicial, fixa em R$ 350,00 (trezentos e cinqüenta reais) o valor devido. Nesse caso, o mutuário ficará em mora, todo mês, em relação à diferença, ou seja, R$ 250,00 (duzentos e cinqüenta reais). Sobre esse, incide multa, juros, correção monetária, além das demais conseqüências legais.

Portanto, de nada adianta manipular na inicial o valor da prestação, quando é certo que a perícia judicial detectará esse fato, ocasionando, como se verifica em muitos casos, na condenação do mutuário, fazendo com que ele perca o imóvel, se lhe faltar capital para pagamento integral da importância em atraso, mesmo sendo vencedor parcial da demanda!

A situação ainda é mais grave quando não se alerta ao mutuário acerca dos riscos, a fim de que possa fazer uma poupança da diferença, evitando a desagradável surpresa.

É relevante considerar que, nessas modalidades de contrato, a mora pode configurar o direito do agente financeiro de executar todo o saldo devedor, inclusive quanto às prestações vincendas.

Destarte, para se realizar depósitos das prestações aquém do devido, com autorização judicial, há necessidade de serem avaliados todos os riscos, ciente de que a manipulação poderá acarretar as penosas conseqüências.

Outrossim, o mutuário não pode simplesmente aceitar as imposições do agente financeiro, sendo que algumas providências podem ser adotadas para evitar os risco de uma discussão judicial.

Em primeiro lugar, jamais deve procurar manipular o valor da prestação ofertada em depósito.

Segundo, o mutuário deve depositar o valor da diferença em caderneta de poupança, para que ao final tenha ativos suficientes para arcar com eventual procedência parcial do pedido. Além disso, caso seja o vencedor, terá feito uma poupança que certamente lhe será útil.

Em terceiro e último lugar, buscar que o valor indicado para depósito na inicial seja o mais consentâneo com a realidade, ou seja, o mais próximo possível daquele que será aferido pela perícia judicial, e caso se perceba divergência no curso do processo, complemente o valor até então depositado.

Feitas essas considerações, alertamos aos mutuários para que exijam de peritos e advogados explicações claras e reais quanto aos riscos para se efetuar depósitos das prestações, sendo que em nenhuma hipótese devam pretender que o valor ofertado seja inferior ao efetivamente devido (salvo quando o mutuário possuir liquidez para pagamento integral de toda importância resultante da mora), sob pena de, ainda que seja vencedor parcial da demanda, corra o risco de perder o imóvel. Ou seja, popularmente “Ganha-se, mas não se leva”.

Vicente Paula Santos

é advogado de empresas em Curitiba/PR, membro do Instituto dos Advogados do Paraná. E-mail:
vps@juridicoempresarial.com.br

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